quinta-feira, 5 de abril de 2018

A era de ouro do cinema em Bagé


A era de ouro do cinema em Bagé

Ferreira  

IV Festival de Cinema da Fronteira

Mas há que se destacar que Bagé possui uma personalidade ilustre, que, apesar de não ser realizador de cinema, encheu de sons e imagens os sonhos de muitos bajeenses, desde 1956. Empreendedor, empresário, contraditório, sonhador. Todos esses são sinônimos para definir Aristides Kucera, 86 anos.

O primeiro contato com as exibições foi em 1949, quando abriu seu primeiro cinema em Santiago. Mudando-se para São Gabriel em seguida, foi responsável pela abertura de mais dois empreendimentos. Em 1956, recebeu a proposta de compra de seu primeiro cinema em Bagé, o Cine Presidente, situado na esquina das ruas Fabrício Pillar com Juvêncio Lemos, a famosa “Baixada Bajeense”. Os primeiros filmes exibidos por ele foram: “Os Três Corsários” e “A Vida de Puccini”.
Após um ano de sucesso nas exibições do cinema em Bagé, Kucera enfrentou sua primeira prova de fogo. Conforme Elizabeth Macedo de Fagundes, na obra Inventário Cultural de Bagé, após 40 anos, o antigo Cine Teatro Avenida havia sido demolido em 1954. Porém, reconstruído, em 1957 foi reinaugurado. Na época, o cinema foi considerado um dos mais luxuosos e modernos do Rio Grande do Sul, contando com calefação, renovação de ar, poltronas estufadas e equipamento de exibição de qualidade de ponta. “Naquela noite, todas as sessões do cine Presidente tiveram o público total de 13 pessoas. Eu percebi, ali, que se não fosse embora daqui, era o fim para mim”, relata ele.

Mas com espírito empreendedor do proprietário, o cinema seguiu funcionando de forma normal. Seguia apresentando os filmes, que incluíam os clássicos de Oscarito. Em seguida, o empresário mostrou o espírito arrojado para os negócios e, através de uma parceria com outros dois empresários de fora da cidade, comprou os três maiores cinemas da cidade: Avenida, Glória e Capitólio. A isso, somavam-se o antigo Cine Presidente, na baixada, e o novo, na Marechal Floriano, no prédio do antigo Apolo. Essa foi a época de ouro do cinema bajeense. “Esse foi o negócio que mudou a minha vida em Bagé”, define ele.

Com grande público nos três principais cinemas, decidiu, então, fechar os dois cines Presidente, no início da década de 1960. Mas não parou por aí o interesse da sociedade pela sétima arte. Adquiriram salas de exibição em diversas cidades do Estado, chegando a ter 22 salas próprias funcionando concomitantemente. Mas o negócio bem sucedido cobrava seu preço. “Eu passava mais na estrada do que em casa. Ficava viajando mais de 20 dias por mês, visitando os cinemas das outras cidades. Tenho 86 anos e só tive três férias na vida”, conta.

Nessa mesma época, adquiriu cinemas em Dom Pedrito, Rosário do Sul, Cacequi, Alegrete, Quaraí, Cachoeira do Sul, Cassino e dois em Porto Alegre (Rosário e Estrela). Na ocasião, chegou a administrar 27 empreendimentos no RS.

A primeira grande crise dos cinemas aconteceu na segunda metade da década de 60, com a criação de uma lei que colocava como questão obrigatória a exibição de filmes nacionais em, no mínimo, 142 dias do ano. “Naquela época não havia uma grande produção, não tinha uma demanda para atender essa lei. O jeito era passar tudo o que conseguíamos obter de material”.

Kucera, à contragosto, começou a exibir alguns filmes nacionais de produção mais baixa, que começaram a afastar as famílias do cinema. “A maioria dos filmes tinha cenas fortes, era pornografia barata. Os pais começaram a afastar os filhos do cinema por causa disso”, relata.

Mas Bagé só sofreria com a perda de um cinema em 1978, com o fechamento do Glória. O fechamento do Capitólio veio logo em seguida, em 1982. Os outros dois empreendimentos só viriam a fechar décadas mais tarde. O Avenida encerrou suas atividades em 1995, tendo sido consumido por um incêndio em 1996. Nunca mais foi reativado. Já o Glória ganhou uma nova chance. Em 1998 reabriu, funcionando apenas na parte de cima da antiga sala. Encerrou definitivamente as exibições em 2000. Atualmente, o prédio abriga uma igreja evangélica. Muito da grande quantidade de material que o empresário ainda guardava foi queimada no incêndio do Edifício Avenida, em 1996, que destruiu as dependências já desativadas do cinema.

Com uma grande história de amor pela arte, Kucera ainda hoje é reconhecido. Foi escolhido como presidente de honra do III e IV Festival de Cinema da Fronteira. Hoje, ele reconhece o esforço dos realizadores locais como uma ascensão da cidade a uma nova era de ouro da sétima arte. “O festival surgiu de uma necessidade de incrementar o cinema na região. Ainda é um evento pequeno, mas tenho certeza de que vai crescer muito ainda”, afirmou.

Mesmo a idade avançada não impede Kucera de fazer planos. Ele conta que, mesmo hoje, sonha com a reabertura do Cinema Avenida. “Ainda hoje me pego pensando como seria se eu reabrisse, mas, em seguida, descarto o pensamento. Só posso adiantar que vem novidade por aí”, revela, fazendo mistério sobre a novidade.

Dizem que a primeira vez em um cinema a gente nunca esquece. Essa máxima se faz verdade, pelo menos para dois antigos frequentadores dos cinemas locais. Este foi o elo entre os amigos Valquir Marques, 67 anos, auditor fiscal aposentado, e o projecionista Valdenir dos Santos Veleda, 58 anos.
Marques relembra a primeira vez que foi ao cinema. “Fui com meu irmão mais velho no Cine Glória pela primeira vez em 1953. Eu tinha uns sete, oito anos. Quando entrei, foi aquele susto. Não lembro o filme a que eu fui assistir, mas recordo o meu choque com aquela tela enorme. Hoje em dia é até comum, mas, na época, quando só tínhamos o rádio, foi estarrecedor. Nem sei definir o que senti”, conta.

Já Veleda recorda que costumava assistir aos filmes que o padre Álvaro Muraro exibia aos estudantes do São Pedro. Mas a primeira vez que adentrou a sala de exibição do Glória foi escrita a crônica de um amor anunciado, que dura até hoje. A paixão virou profissão e Veleda nunca precisou se afastar das telas, assim como um dos personagens de seu filme preferido, o Totó de “Cinema Paradiso”. “Foi unir o útil ao agradável”, diverte-se o projecionista.

Os dois amigos, aproximados pelo amor ao cinema, também conquistaram a amizade de Kucera. Os três reúnem-se seguidamente para conversar sobre o assunto preferido: cinema. Marques, inclusive, já elaborou um roteiro para filmar um documentário sobre a vida do empresário. “Tem muita história para contar, é uma vida inteira dedicada às exibições. Tem material para muitas horas”, adianta.

Fábrica de sonhos

Com o advento do cinema, no final do século XIV, a atração se espalhou pelo mundo inteiro e se transformou em uma grande paixão. Era na tela que o público projetava seus sonhos e conhecia um pouco mais do mundo, que até então era restrito àqueles filhos de classes abastadas. O cinema possibilitou um sem fim de fantasias, que alimentavam, não só as crianças, com aventuras semanais como Flash Gordon e Tarzan, mas também davam sabor à vida e som às risadas dos adultos, com os filmes de Charles Chaplin, Buster Keaton e O Gordo e o Magro.

Bagé, em toda a sua história, sempre deu muito espaço às artes. Não poderia deixar de ser assim com a arte que sempre teve grande aceitação da população . Conheça, abaixo, algumas das fábricas de sonhos da cidade:

*- Cinema Apolo: de propriedade de Francisco Santos, foi construído em 1934. O projeto e a construção ficaram a cargo de Lourenço Lahorgue. Fechou na década de 1950 e cedeu espaço ao Cine Presidente, de Kucera.

*- Cinema Petrópolis: foi inaugurado em 1° de janeiro de 1930, no local onde hoje funciona a Padaria Globo, em frente à praça Santos Dumont. Um incêndio ocorrido em 1937 destruiu o prédio e matou uma mulher e uma criança que estavam na casa do zelador. Após o sinistro, não foi reconstruído.

*- Cine Teatro Glória: foi inaugurado em 7 de fevereiro de 1947, pertencente ao Circuito de F. Cupelo & Cia. Ltda. O filme exibido na inauguração foi “Dois Marujos e uma Garota”. O cinemascope do Cine Glória foi inaugurado em 11 de novembro de 1955. Foi fechado pela primeira vez no final da década de 1970 e reaberto em 1998, permanecendo dois anos em funcionamento. Atualmente, funciona no prédio uma igreja.

*- Cine Teatro Coliseu: a casa de espetáculos foi inaugurada ainda no século XIV, quando eram realizadas touradas e exibições circenses. Em 1897, durante a apresentação de uma companhia de ginástica, houve a explosão de um depósito de querosene que alimentava os bicos de iluminação. Três menores e um adulto morreram em consequência. Em 1907, começou a exibição de filmes da empresa Maciel & Coca, de Livramento, que percorria o Estado com o cinema ambulante. Em 1931, foi inaugurado o sistema sonoro. Cerrou suas portas em 15 de janeiro de 1946. O prédio que atualmente abriga a área é o Centro Antoniano.

*- Cine Capitólio: foi inaugurado em 12 de janeiro de 1934 pelo empresário Salim Kalil. Na noite de 29 de março de 1941 um incêndio se espalhou e destruiu o prédio, com danos apenas materiais. Foi reconstruído e reinaugurado em 1942. Fechou suas portas de vez em 1982.

*- Cine Teatro Avenida: Inaugurado em 1914.O cinema falado chegou a Bagé em agosto de 1929 e foi no cinema Avenida sua primeira apresentação. O filme “La Cumparsita” foi acompanhado de uma orquestra típica argentina com a música Remember. Em 21 de setembro de 1931, houve a estreia do cinema sonoro, com o filme “Bancando o Lorde”, do cantor Harry Richmann. Foi demolido em 1954 e um novo cinema inaugurado em 1957, junto com o conjunto residencial Condomínio Avenida. O cinema foi desativado em 1995 e um grande incêndio, em 1996, destruiu as dependências da sala de cinema.

* Inventário Cultural de Bagé – Elizabeth Macedo de Fagundes

Fonte: jornal Minuano

Texto e imagem reproduzidos do site: alternet.com.br

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