segunda-feira, 13 de maio de 2019

Cinema Paradiso, por Adilson Luiz Gonçalves

Imagem reproduzida do Google e postado pelo blog, para simples ilustração

Texto publicado originalmente no site Jornal União, em 07/04/2012  

Cinema Paradiso

Por Adilson Luiz Gonçalves*

Herdei de meus pais duas grandes paixões: de minha mãe, a música; de meu pai: o cinema.

Como todas as paixões que se prezem, minha vontade era respirá-las e esmiuçá-las em cada momento, mas a vida não nos concede, com raras exceções, a benção de viver do que nos dá prazer.

A “sétima arte” tem um significado especial em minha vida:

Tive bronquite até os seis anos de idade, com crises frequentes que me impediam de brincar na rua. A alternativa era a televisão.

Eu tinha, então, três anos e me lembro dos filmes de Chaplin, das séries famosas e até do que teria sido o primeiro filme dublado exibido na TV: "As Aventuras do Padre Brown".

A paixão iniciada com aquela televisão em preto e branco ganhou cores e dimensões colossais graças a um dos empregos de meu pai: projecionista de cinema.

Pela sua mão conheci algumas das dezenas salas que existiam em minha cidade, nos anos 1960 e 70.

Frequentei os "Pullmen" vazios das seções vespertinas e comi todas as jujubas, pastilhas coloridas e balas de framboesa que tinha direito. Mas era na sala de projeção que o sonho ganhava a força do fascínio:

Para meu pai não bastava projetar um filme: ele captava seu “espírito”, brincava com o volume para aumentar o impacto de um susto e orgulhava-se de não perder o tempo da transição dos projetores.

Eu tinha o mesmo prazer do menino do filme “Cinema Paradiso” (Nuovo Cinema Paradiso, Itália 1988) ao vê-lo colar a película das cópias usadas ou rebobinar a novinha "em folha" do lançamento. A intensa luz do arco do carvão, de então, iluminava os labirintos que a película percorria até que, polarizada nas lentes, transformava os vinte e quatro fotogramas por segundo em ilusão de movimento. Colocar os discos da música ambiente e acionar o tradicional sinal de início da projeção era o máximo! Eu também fiz parte dos sonhos de muitas pessoas sem saber!

Com o tempo, a TV a cabo, o "home theater" e a especulação imobiliária fecharam quase todas as salas que eu frequentei naqueles tempos.

Hoje, meu pai não projeta mais filmes, mas eu ainda lembro aqueles domingos.

As salas dos shoppings são modernas, mas não têm a mágica das de outrora. Também não tenho mais a liberdade de entrar na sala de projeção e nem meu pai está lá. Tenho que simplesmente me sentar na poltrona, como o adulto em que o menino do filme se transformou, e aguardar que as luzes se apaguem, como sempre, mas sem o inesquecível som dos carrilhões e a emoção das cortinas se abrindo.

No entanto a nostalgia se vai quando a tela se ilumina e surgem as imagens!

Nesse breve lapso de tempo, os medos, neuroses e injustiças da vida se esvaem em benfazeja alienação, redobrando o ânimo para enfrentá-las, depois.

Transporto-me em irresistível arrebatamento para o universo dos cenários, das tramas e dos personagens.

Nesse momento retomo em plenitude a consciência dessa paixão sem medidas que meu pai me transmitiu e entendo que podemos ser eternamente jovens e bons enquanto cultivarmos e transmitirmos nossos sonhos e paixões: também o fiz para meu filho!

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* Adilson Luiz Gonçalves - Eleito para a Academia Santista de Letras - Mestre em Educação - Escritor, Engenheiro, Professor Universitário e Compositor

Texto reproduzido do site: jornaluniao.com.br

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