domingo, 3 de março de 2024

Pelos deuses do analógico! Os projeccionistas regressam ao grande ecrã


Publicado originalmente no site FILMSPOT, de 13 de fevereiro de 2023  

"O Síndrome do Vinagre" por Samuel Andrade

Pelos deuses do analógico! Os projeccionistas regressam ao grande ecrã

A figura do projeccionista de cinema regressa como personagem num conjunto de filmes recentes.

Seja por coincidência, ou pelo espírito de nostalgia analógica de que o "sabor dos tempos" parece infundido, facto é que a produção cinematográfica, internacional e contemporânea, tem dedicado particular tempo de metragem à figura clássica do projeccionista de cinema – ou seja, o responsável pelas bobines de película de 35mm iluminadas por bastões de carbono a arder em arcos voltaicos e a laborar no interior de exíguas cabines.

Não que estejamos perante uma tendência esmagadora, mas, no espaço de sensivelmente dois anos, "Last Film Show" (2021, Pan Nalin), a curta-metragem "Horror Anthology: "The Projectionist" (2021, Daniel Marks), "Pearl" (2022, Ti West), "Império da Luz" (2022, Sam Mendes) ou, de forma mais velada, "Os Fabelmans" (2022, Steven Spielberg) e "Babylon" (2022, Damien Chazelle), apresentam, com maior ou menor relevo para o argumento, um projeccionista como personagem.

Historicamente, na Sétima Arte, o estilo de vida, as especificidades e "manias" profissionais do projeccionista granjearam um variado conjunto de exemplos.

Desde Buster Keaton em "Sherlock Jr." (1924) ao famoso Alfredo de "Cinema Paraíso" (1988, Giuseppe Tornatore), do part-time de Tyler Durden em "Clube de Combate" (1999, David Fincher) a Mélanie Laurent em "Sacanas Sem Lei" (2009, Quentin Tarantino), a títulos mais obscuros – onde projeccionistas são, de facto, os protagonistas – como "The Projectionist" (1970, Harry Hurwitz), "O Círculo do Poder" (1991, Andrey Konchalovskiy) e "Vão-me Buscar Alecrim" (2009, Benny Safdie e Josh Safdie), poder-se-ia quase redigir um livro inteiro sobre a relação entre narrativa cinematográfica e projecção analógica.

Neste particular, a novidade é a proximidade temporal da estreia dos filmes já citados durante os últimos dois anos e a "reciclagem" de temas e pormenores que outras obras dedicaram ao projeccionista de cinema (e, por inerência, aos próprios fundamentos da arte cinematográfica).

A gramática dos 24 fotogramas por segundo e da persistência da visão, a inflamabilidade da película de nitrato, o encanto pueril de uma criança perante a máquina de projecção, o corte/roubo de fotogramas de uma cópia em 35mm, ou o "charme" que, habitualmente, se confere à vivência de quem transporta um filme da celuloide para o ecrã, continuam a ser aspetos de realce.

Não que daí advenha qualquer prejuízo; talvez essa realidade seja apenas outra manifestação (paralela às sequelas e aos reboots da Marvel e DC Comics?) da reciclagem narrativa e temática que tanto apraz à produção cinematográfica.

Na verdade, é impossível não observar "Last Film Show" – centrado na amizade entre uma criança de uma pequena aldeia indiana e o projeccionista do cinema local – como uma versão de "Cinema Paraíso", actualizada para o público do século XXI. Ou que o longo monólogo de Toby Jones, o projeccionista do Empire Cinema em "Império da Luz", sobre a ilusão de óptica subjacente à fruição da imagem em movimento, mais não seja do que o necessário lembrete, junto de novas e futuras gerações, sobre as origens dos fenómenos audiovisuais que ocupam (e ocuparão) os seus quotidianos.

Texto e imagens reproduzidos do site: filmspot pt/artigo

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