Publicação compartilhada do site IMIRANTE, de 26 de outubrode 2019
Tradição do cinema e a transformação do segmento audiovisual na capital
Se antes havia prédios próprios específicos para a exibição de filmes, atualmente estes empreendimentos migraram para centros ou empreendimentos comerciais; antigos cinemas deixaram saudades para muitas pessoas
Por Thiago Bastos/O Estado
A partir das décadas de 1930 e 1940, na geração pós-Éden, novos cinemas foram sendo abertos por iniciativa de empreendedores e jovens aprendizes e em vários pontos de São Luís. Locais e nomes como Rivoli, Rialto, Monte Castelo, Passeio, Anil, Cassino, São Luiz e outros serviram como fontes de empreendimento por anos na capital. Até hoje, quem tem mais de 60 anos se lembra com carinho de momentos com amigos e familiares vividos em um desses ambientes.
Em 1939, o empreendedor libanês Moysés Tajra adquiriu o Cine São Luiz, que, posteriormente, virou Rialto (cujo prédio era instalado na Rua do Passeio, ao lado do Socorrão I). Além deste, abriu no mesmo ano o Cine Roxy, na Rua do Egito. Por fim, os Tajra empreenderam com o Cine Rival.
O Cine São Luiz concorria ainda à época com outras unidades, como Rex (no João Paulo, ao lado do atual comando do 24º Batalhão de Infantaria de Selva, do Exército), Olímpia e Éden. Em publicação do jornal “O Combate”, em 1945, era possível saber que às 16h era exibida a película “Ladrão que Rouba Ladrão”.
Já o Cine Roxy, pela sua localização, era um dos mais frequentados, até o fim da década de 1960. Tratava-se de um estabelecimento conhecido por trazer filmes considerados raros à época. Em 1948, começou a ser exibido no local o filme “Quando a neve tornar a cair”. A história demonstrava a sociedade russa e os feitos heróicos dessa população nas guerras.
Anos antes, em 1946, representantes do Partido Libertador reuniram-se no “Cine Roxy”, conforme publicação do Diário de S. Luiz, de 12 de julho de 1946. O encontro, de acordo com o periódico, contou com a presença de membros dos diretórios estadual e municipal da legenda, a fim de “tomarem deliberações importantes de caráter público”.
O Roxy, que anos mais tarde passou a ser conhecido pela exibição de filmes pornográficos, começou a empreitar na arte de produções para “acima dos 18 anos”, antes mesmo da década de 1950. Em 21 de junho de 1949, o cinema exibiu a partir das 22h o filme “Veneno lento”, voltado para um conflito amoroso que gerou um crime “quase perfeito”.
1950 e 1960: outros cinemas e a chegada dos Duailibe
Após o Roxy e Rialto, começaram a empreender outras famílias em busca de autopromoção e destaque à arte cinematográfica na capital maranhense. Uma delas foi a família Duailibe. Segundo reportagem de “O Combate”, publicada em 3 de julho de 1951, surgia a Empresa de Cinemas Duailibe Ltda. De acordo com a publicação, o empreendimento “nasceu para beneficiar o público da capital e do interior do estado”.
Ainda de acordo com a reportagem, foi no “alvorecer glorioso” de 2 de fevereiro de 1950 que “nasceu para a glória da cinematografia maranhense” a empresa. A iniciativa partiu de moços valorosos: Jamil Murad, José Abrão Duailibe, Nagib Abrão Duailibe, Jorge Abrão Duailibe, João Abrão Duailibe, Odessa Berniz Jorge e Odila Berniz Jorge.
O início do legado da família no ramo seria com o Cine Anil, que proporcionaria “momentos de intenso prazer à população anilense”. Em seguida, a partir da década de 1960, passou o grupo a se dedicar à entrega do Cine Monte Castelo.
Antes da constituição da empresa, os Duailibe administravam prédios próprios para o funcionamento dos “luxuosos” cinemas. De acordo com “O Combate”, foi o empreendimento dos Duailibe, que trouxe a tela filmes como: “Céu Sobre o Pântano”, “Belinda”, “As Duas Órfãs” e “Carnaval no Fogo”.
Em abril de 1951, a exibição de películas no Artur Azevedo também estava ligada aos Duailibe. Anúncio do período aponta que o “Cine-Teatro Arthur Azevedo” era apontado como o de melhor som e projeção da cidade. Filmes nacionais como “A Sombra da Outra” e norte-americanos (“Vontade Indômita”) foram exibidos.
Em agosto de 1962, o então governador do Maranhão, Matos Carvalho, entregou à cidade um dos cinemas mais emblemáticos e conhecidos pela juventude maranhense, em especial, nas décadas de 1970, 1980 e 1990. O Cine Passeio, situado na rua de mesmo nome (ao lado do atual Palacete Gentil Braga), inaugurou os trabalhos com a exibição do filme “O Candelabro Italiano”, um clássico das telonas.
Apesar do apoio inicial do poder público, conforme expõe Abraão Duailibe – filho de Benedito Duailibe (neto de José Abrão Duailibe), dono do empreendimento –, o governo estadual chegou a pedir o teatro de volta. “Houve essa tentativa, mas conseguimos reverter. O intuito de abrir este ponto na região central é revitalizar essa área, e este objetivo foi atingido”, disse.
No auge, o Cine Passeio chegou a receber até 800 espectadores por sessão. Mas a falta de clientes, o desenvolvimento de novas tecnologias e, principalmente, o custo de indústria cinematográfica levaram à queda no faturamento. Segundo explicou Abraão Duailibe, do total de dividendos, 60% eram dos arrendatários das peças cinematográficas e apenas 40% era destinada à propriedade do cinema para o custeio de manutenção dos equipamentos, pagamento de funcionários e outras aplicações.
Grandes produções da década de 1980, como a trilogia “De Volta para o Futuro”, lotaram as salas do cinema e atraíram jovens e até adultos, em uma fase definida pelos proprietários como o auge do Cine Passeio. “A ausência de boa concorrência também neste período ajudou para a nossa consolidação”, afirmou. Outras produções como “Coração Valente”,
“O Paciente Inglês” e “Central do Brasil”, pós-1990, passaram pelas máquinas cinematográficas do Passeio.
Em agosto de 2005, após várias tentativas de venda do local, o Cine Passeio anunciou oficialmente o fechamento das atividades. O tema foi trazido à tona por O Estado em sua edição do dia 28 do referido mês e ano em reportagem intitulada “Passeio de portas fechadas”.
Segundo a reportagem, foram 43 anos de exibições até o fechamento. A última sessão contou com os filmes “O Filho do Máskara” e “Visões”. Segundo Abraão Duailibe, outro fator preponderante para o fechamento foi a falta de segurança. “Foi ficando uma área muito insegura, e não restou alternativa a não ser fechar”, disse o ex-proprietário.
Cine Monte Castelo: se estivesse “vivo”, completaria seis décadas em 2020
O início dos anos 1960 significou uma nova fase no cinema ludovicense. Se na primeira metade do século XX, a ideia era – além de entreter – usar a estrutura para fins políticos, na segunda metade do mesmo século a finalidade comercial era latente. A vontade era tanta que viabilizou ousadias no mercado empresarial. Uma delas foi a entrega de um cinema em um bairro considerado pacato e de “família”. Em 1960, é inaugurado o Cine Monte Castelo.
De acordo com o pesquisador Joaquim Aguiar, o Cine Monte Castelo foi construído em um terreno abandonado onde estava instalada uma barraca (de dona Rosa). A cidadã vendia café, lanche e comida para motoristas e cobradores.
A expectativa pelo novo empreendimento foi representada em “A Pacotilha”, edição de 1959 – um ano antes da entrega. Na coluna “A Voz da Ilha”, Merval Melo escreve que está “em fase de conclusão” o Cine Monte Castelo - de propriedade das empresas Duailibe. Foram investidos milhões de cruzeiros.
E de fato a estrutura chamava a atenção. Se atualmente, o prédio que abrigou o cinema está fechado e tomado por animais de rua, no dia da entrega, o público se impressionou com a beleza e luxo da estrutura. Com capacidade para receber mil pessoas, com camarotes laterais e ornamentos em estilo europeu, o cinema rapidamente caiu no gosto popular.
Clássicos da biografia de Charles Chaplin, Burt Lancaster, Kirk Douglas, John Wayne e Audrey Hepburn passaram no núcleo do bairro tradicional da Ilha. Houve quem pegasse aquele “busão”, na década de 1960, e descia no abrigo – que existe até hoje - em frente ao cinema só para pegar aquela matinê ou última exibição.
Já arrendatário de outros empreendimentos, como o Teatro São Luiz (Arthur Azevedo), a família Duailibe conseguiu manter o cinema no auge por praticamente três décadas. Na sala de exibição do antigo cinema, além de filmes, cantores famosos também se apresentaram. Quem não se lembra da apresentação, pela manhã, do ainda iniciante na carreira Roberto Carlos? Pois é, esse show aconteceu e, mesmo sem registros fotográficos, ainda está guardado na lembrança de quem viveu aquelas poucas horas com o futuro rei.
Começa a derrocada
Na década de 1990, com a concorrência e advento das vídeolocadoras (que alugavam filmes a preços acessíveis), os cinemas passaram a ter queda no faturamento. A elevação nas despesas cinematográficas (os rolos de filmes inflacionaram no período) contribuiu para a falência do Cine Monte Castelo.
Em 1992, a sociedade ludovicense percebeu a decadência, com o anúncio de que o empreendimento passaria a exibir somente filmes de sexo. “As grandes produções começaram a dar lugar a outros gêneros e a qualidade das fitas exibidas no Monte Castelo também foi diminuindo”, disse Abraão Duailibe, também gestor do imóvel.
A exibição de produções para quem tinha “acima dos 18 anos de idade” tocou o cinema até 1994. Segundo Abraão, “dava para pagar as despesas”. Só que os gastos ultrapassaram a renda em definitivo e o plano B foi alugar o espaço para outras finalidades.
O prédio onde funcionou o Cine Monte Castelo foi, antes do abandono, igreja evangélica e espaço para shows e apresentações culturais esporádicas. Sem uma agenda contínua, a solução foi o fechamento, em 1999. Até um ano antes, conforme trouxe O Estado em sua edição do dia 20 de dezembro, a ideia dos donos era ainda manter o cinema fixo. Mas não foi possível.
O “The End” do Cine Monte Castelo deixou órfãos os amantes do cinema e saudosos aqueles que passaram instantes agradáveis na sala de cinema histórica.
Grandes momentos do Cine Monte Castelo
Em 4 de fevereiro de 1962, o Jornal do Maranhão trouxe a seguinte informação: “Quem não pretende dançar neste domingo pode quebrar a rotina indo ao cinema”. Nesta data, o Cine Monte Castelo exibiu “O Ciclone”.
Em 14 de novembro de 1965, os alunos do Ginásio Monte Castelo promoveram uma matinal no Cine Monte Castelo, em benefício do grêmio cultural. Houve ainda, no período e no citado cinema, a exibição de “O Filho de Django”, que mostrava o suposto filho de Django em bravatas. Trata-se de uma obra italiana imprópria para 14 anos.
Celso Aquino dos Santos é o projetista mais antigo vivo na capital
O filho do projetista mais antigo da cidade conta ainda que, antes das máquinas cinematográficas mais avançadas, os equipamentos eram de carvão e, anos mais tarde, movidos por lâmpadas xenon de 3 mil volts. “Com o advento de outras tecnologias voltadas ao 4K, ninguém passou a perder mais tempo com uma tecnologia de exibição de filmes mais antiga”, disse Celso Filho. O fechamento dos antigos cinemas também propiciou o desaparecimento da figura do projetista. Uma antiga máquina ainda é preservada no Cine Praia Grande, mantido no Centro Histórico. Mesmo sem os rolos originais, Celso Filho demonstrou a O Estado o manuseio do recurso. “Este equipamento está em bom estado de conservação”, disse. Além das máquinas, havia as hastes para apoio dos filmes. “Era para voltar o rolo e exibir o filme novamente na próxima sessão”, disse. O trabalho do projetista era cansativo, mas essencial para o funcionamento dos antigos cinemas.
Texto e imagem reproduzidos do site: imirante com
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