De volta ao escurinho do cinema
Pequeno comerciante de Ourinhos utiliza projetores
antigos para exibir filmes de sua coleção particular, em seu estabelecimento na
rua dos Expedicionários
Thelma Yeda Roder Kai *
Da Reportagem Local
Um singelo estabelecimento comercial que vende água-de-coco
e peças de artesanato pode ser considerado atualmente o único cinema de
Ourinhos — e dos antigos, com projetor e filmes de rolo.
A loja “Onde Vô”, na rua dos Expedicionários, tem promovido
sessões de cinema à noite nos finais de semana, projetando os filmes em um
telão de 1,8 x 2 metros. Em meio a redes, bolsas de crochê e casas para
pássaros repousam quadros com cenas de clássicos do cinema americano,
certificados do antigo departamento de censura nacional e um enorme projetor
para filmes de 35 milímetros, funcionando perfeitamente.
O projetor alemão Ernermman da década de 20, de acionamento
manual e com geração de luz a partir de bastões de carvão (que posteriormente
foram substituídos por lâmpadas xenon), é apenas uma amostra do monumental
acervo do comerciante Ubirajara do Carmo Zambotto, 43, o Bira. Ele guarda 40 projetores
de cinema e mais de dois mil rolos de filmes — entre eles “Marcelino Pão e
Vinho” em sépia, o clássico “King Kong” de 1933 (o mais antigo do acervo),
“Tarzan and Leopard Woman” e todos os traillers dos filmes de Mazzaropi.
Bira também possui preciosidades históricas como 600 cópias
originais dos roteiros do “Canal 100” da década de 70, narrado por Cid Moreira.
Em um dos roteiros, de 1975, o assunto é o jogo entre Fluminense e América no
Maracanã pela Taça Guanabara, com Rivelino em campo.
Registro interessante para as novas gerações são os ofícios
que obrigatoriamente eram enviados junto com os filmes na época da ditadura
militar com orientações detalhadas sobre os cortes que as obras deveriam sofrer
(leia texto nesta página).
Bira está há apenas quatro meses em Ourinhos. Natural de
Jarinu, perto da capital, durante 10 anos ele passou filmes nas escolas e até
nas ruas da cidade, colocando o projetor em cima de um carro. Seu pai, Jorge
Teodoro Zambotto, chegou a montar na década de 40 uma sala de cinema em Jarinu.
“Desde os 14 anos adoro cinema, principalmente a técnica”, afirma o
comerciante, que já realizou uma exposição de parte do seu acervo na
Universidade de Campinas (Unicamp) no ano passado.
Nas sessões promovidas em Ourinhos o comerciante tem optado
por documentários. “Os filmes são muito longos e o pessoal não fica muito
tempo”, avalia. Na última semana, havia no projetor um documentário sobre a
fabricação de cristais.
Procura — Para montar seu acervo Bira tem atuado como um
verdadeiro caçador de relíquias. Já passou por diversas cidades buscando
cinemas desativados para comprar os projetores.
O Ernermman que está em exposição em sua loja foi adquirido
do Cine Theatro de Alumínio de Poços de Caldas (MG). Bira também visitou e
fotografou os cinemas de Jales, Andirá, Cumbica, Santa Rita do Sapucaí,
Cerqueira César, Jacarezinho, Santa Cruz do Rio Pardo e até andou atrás de uma
máquina usada para projetar filmes em uma usina de açúcar.
Ele também costuma usar em Ourinhos uma máquina para filmes
16 mm da década de 50, com geração de luz a partir dos bastões de carvão,
funcionando perfeitamente. A queima dos bastões de carvão, aliás, é um fator
que ajuda na busca do colecionador. A combustão do carvão gera fumaça no início
da projeção, o que obrigava os antigos cinemas a terem chaminé. “Quando chego a
uma cidade vou a um ponto bem alto e observo se existe algum telhado grande com
chaminé. Se achar, sei que foi um cinema”, explica. Com todo esse material, o
sonho do comerciante não poderia ser outro: ter um cinema próprio — mas não um
cinema qualquer. “Queria um como o Cine Splendore, do filme com o Marcello
Mastroiani, com teto que abre para o público ver as estrelas”, conta.
O mais interessante da coleção de Bira, porém, é que tudo
está ao alcance do público. “O interessante é mostrar isso para outras pessoas.
Não gosto daquele negócio de museu, onde as coisas ficam dentro de caixas de
vidro e ninguém pode ver direito”, afirma.
*Foto e texto reproduzidos do site: www2.uol.com.br
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