terça-feira, 29 de julho de 2014

O Hobbit foi filmado para ser projetado a 48 quadros por segundo

Foto: Warner Bros/Divulgação.

Publicado originalmente no Jornal ZH, em 02/12/2012

Filme de Peter Jackson apresenta tecnologia hiper-realista
'O Hobbit — Uma Jornada Inesperada' está à frente de uma nova revolução possibilitada pelo cinema digital

por Marcelo Perrone

Assim como James Cameron fez com Avatar (2009), ressuscitando o 3D com uma tecnologia inovadora, Peter Jackson está à frente de uma nova revolução possibilitada pelo cinema digital.

Com estreia mundial em dezembro, O Hobbit – Uma Jornada Inesperada dá início a uma nova trilogia fantástica baseada na obra do escritor J. R. R. Tolkien, com episódios anteriores aos narrados em O Senhor do Anéis. E Jackson apresenta nele uma novidade que já dá o que falar – bem e mal.

O Hobbit foi filmado e será projetado (em algumas salas) a 48 quadros por segundo, o dobro dos parâmetros regulares do cinema. Segundo Jackson, o resultado da exibição nesse sistema, denominado High Frame Rate (HFR ou “alta taxa de quadro”), que diante dos olhos corre na velocidade normal, garante uma imagem muito mais cristalina e definida, sobretudo se combinada ao uso do 3D. A vantagem anunciada pelo HFR é eliminar por completo as limitações visuais que ainda restam no cinema digital, como fantasmas e borrões em cenas com muitos movimentos e efeitos especiais, detalhes que podem parecer imperceptíveis com a projeção digital top de linha já em uso.

Em abril passado, na CinemaCon, convenção para exibidores cinematográficos realizada em Las Vegas, Jackson apresentou 10 minutos de O Hobbit em 48 quadros por segundo. Mas a recepção causou estranhamento. Diante do assombro com o que foi avaliado por muitos de hiper-realismo excessivo, surgiram observações de que o resultado, límpido e brilhante em demasia, se parecia com a visão de uma encenação teatral ao vivo – alguns acharam que a nova tecnologia seria mais adequada a documentários sobre natureza selvagem.

– Não parece mais com cinema. É outra coisa, é como realidade virtual ou videogame – avalia Pedro Butcher, crítico de cinema e editor do Filme B, portal especializado no mercado cinematográfico.

Diante da reação inicial, e porque ainda não são muitos os cinemas aptos à projeção HFR, o lançamento de O Hobbit neste sistema será limitado pela Warner a 400 salas nos EUA e a 500 em outros países. Grande parte do público vai assistir ao filme na versão 3D convencional (projetado em 24 quadros por segundo).

Versão em 48 quadros será exibida em Porto Alegre

No Brasil, 40 salas devem projetar a versão de 48 quadros por segundo em 3D, duas delas (São Paulo e Rio de Janeiro) nas telas gigantes do sistema Imax. No Rio Grande do Sul, por enquanto, apenas a rede Cinemark anunciou a novidade, na sala 2 do BarraShopping, em Porto Alegre.

– Não entramos na corrida para exibir O Hobbit em 48 quadros porque fiquei com receio do que vi – diz Hormar Castello, gerente de programação da rede gaúcha GNC. – Por ser uma tecnologia nova, muita coisa ainda está para acontecer, sobretudo no que se refere à atualização dos equipamentos.

– Há limitações técnicas em grande parte dos projetores. Apenas os da segunda geração, com uma placa especial, podem exibir no formato. São projetores de maior porte. E são poucos os filmes produzidos neste processo – explica Luiz Gonzaga de Luca, especialista em tecnologia audiovisual e diretor da rede mexicana Cinépolis, maior operadora de cinemas da América Latina.

Peter Jackson tem dito que o estranhamento ao High Frame Rate será logo superado. Ele tem como parceiro James Cameron, que irá realizar nesse formato os próximos capítulos de Avatar. Cameron, que na semana passada acompanhou Jackson na primeira exibição de O Hobbit, na Nova Zelândia, declarou que essa tecnologia será referência para filmes de alta definição, assim como Avatar se tornou para o 3D:

– Às vezes, você precisa de audácia para mudar as coisas.

O segundo capítulo de O Hobbit será lançado em dezembro de 2013 e o terceiro, um ano depois.

Corrida digital

> No final dos anos 1990, a indústria cinematográfica, leia-se Hollywood, começou a levar mais a sério a tecnologia digital para uso em escala comercial. Em 1999, a exibição da animação da Disney Fantasia 2000 empolgou os executivos dos estúdios, até então insatisfeitos tanto com a qualidade da imagem quanto com os custos da mudança radical de um sistema em (bom) uso há mais de cem anos.

> A tecnologia utlizada à época foi a DLP Cinema, que tinha como sistema de compressão de vídeo o MPEG-2. Este exibia problemas de composição da imagem, sobretudo na reprodução de cenas de movimento, reproduzidas com borrões e rastros. A conclusão foi a de que essa melhor qualidade da imagem dependia de avanços tecnológicos, como processadores mais rápidos. Mas estava claro, ao menos, qual o caminho a percorrer. Alguns cinemas exibiram neste formato embrionário filmes como Matrix e Colateral – inclusive no Brasil, onde Cidade de Deus foi uma das produções pioneiras convertidas ao digital.

> Nessa mesma época, experiências de exibição digital se davam em múltiplas plataformas (como Betacam Digital, DVCAM e Mini-DV), com desempenho razoável em telas de pequenas dimensões. O problema da perda da qualidade decorrente da compressão da imagem, em especial daquela captada originalmente em película 35mm, começou a ser solucionado com a aplicação do sistema JPEG 2000.

Padrão Hollywood

> Diante da viabilidade da distribuição e projeção de filmes no suporte digital de alta performance, os grandes estúdios de Hollywood criaram uma padronização com o fim de garantir o desenvolvimento de tecnologia e equipamentos comuns, diminuir custos e garantir que suas produções chegassem aos cinemas com os parâmetros de qualidade estabelecidos por seus realizadores. Em 2005, Fox, Columbia, Disney, Warner, Universal, MGM e Paramount firmaram o Digital Cinema Initiatives (DCI), um calhamaço com as rigorosas normas que regram o cinema digital.

> Essas diretrizes determinam o sistema de compressão (JPEG 2000), padrões de áudio e cor, velocidade de projeção, proteção de conteúdo e até especificam detalhes como luminosidade da lâmpada de projeção e temperatura de operação da cabine. O padrão DCI dita como resolução de imagem os chamados 2K (1998 X 1050 pixels ou 2048 X 858 pixels, conforme a proporção da tela) e 4K (4096 X 2160 pixels). Quanto mais pixels (pontos preenchidos na tela), melhor a qualidade.

– A projeção DCI encontra-se em um estágio de igual qualidade à da projeção em 35mm – garante Luiz Gonzaga de Luca, referência no Brasil em tecnologia audiovisual. – Com o lançamento de O Hobbit vai se ter uma qualidade superior.

> As projeções digitais alternativas, fora do padrão DCI, que usam a compressão MPEG, devem seguir por um tempo voltadas a filmes de arte e independentes. Com o maior acesso aos projetores DCI, tendem a desaparecer.

– Devem voltar ao uso para o qual foram criados, que é exibir publicidade nos cinemas – diz Pedro Butcher, editor do Portal Filme B.

Sobrevida como fetiche

O uso do filme película no cinema resistiu tanto tempo – mais do que na fotografia, por exemplo – porque nestes mais de 100 anos apenas nos últimos cinco se encontrou uma forma de substituí-lo. E, mesmo assim, há controvérsias sobre ele estar efetivamente superado:

– Acredito que o cinema digital, com exceção do 4K ainda não consegue reproduzir com exatidão a mesma quantidade de informação que tem um fotograma de película 35mm, ainda mais em cenas com movimentos – diz Pedro Butcher. – É uma limitação, que também se dá pelo uso de câmeras maiores, que deve deixar desesperados realizadores como James Cameron e Peter Jackson.

Marcus Mello, crítico de cinema e programador da Sala P.F. Gastal, um dos principais espaços alternativos de exibição na Capital, faz uma provocação:

– Acho que o 35mm vai ser o futuro do cinema. Vai haver o mesmo fetiche que se observa hoje com os discos de vinil, e muitos diretores vão continuar a filmar com película. Outro aspecto importante diz respeito à memória cinematográfica. A cópia em película segue sendo a maneira preferida para preservar um filme em acervo.

A corroborar a opinião de Marcus Mello, estão realizadores como o americano Paul Thomas Anderson, que rodou seu mais recente longa, o muito elogiado The Master, em bitola 70mm, formato hoje comercialmente inviável mas de experiência visual inigualável, defendem os puristas.

Resistência cinéfila

Elias Oliveira, gerente de programação da Imovision, distribuidora de filmes de arte, confirma tendência de redução das cópias em película:

– O lançamento em 35mm, diante do custo, agora é analisado caso a caso. Holy Motors (ainda inédito na Capital), filme com público mais restrito, tem apenas cópias digitais.

Se cinematecas, cineclubes e espaços alternativos subsidiados têm se virado nos últimos anos com projeções a partir do DVD e, mais recentemente, do Blu-ray, exibidores de médio e pequeno porte estão em alerta. Crítico da baixa qualidade desta projeção digital fora do padrão DCI, Carlos Schmidt, proprietário dos cinemas Guion, vê a conversão para o digital como irreversível:

– Não vejo como a implementação deste equipamento possa ser feita de forma cooperativada. A única forma, no nosso caso, é por meio desta contrapartida do governo, pelo que ele já causou de prejuízo ao mercado com as políticas intervencionistas. A ideia é seguir em frente até o momento em que tivermos algum apoio oficial para aquisição. Caso não tenhamos, é seguir até quando for viável. Depois disso, inexoravelmente, fecharemos as portas.

Texto e imagem reproduzidos do site: zh.clicrbs.com.br

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