Sílvio Lima mostra película do longa canadense
"O Segredo de Sangue", exibido no Cine Horizonte.
Foto de João Cláudio Fragoso.
Publicado originalmente no 'blogs.odiario.com'. em 27 de novembro de 2014.
Cine Horizonte na sucata.
Por Wilame Prado.
É no presente que encontramos pistas ou pedaços do passado.
E parte da história dos vários cinemas de rua que funcionaram em Maringá entre
1940 e os anos 2000 pode ser encontrada em um ferro-velho na Avenida Pedro
Taques, local onde os irmãos Lima guardam, em meio a toneladas de objetos
acumulados nos últimos 50 anos, projetores de filme em 8, 16 e 35 milímetros,
peças dispersas desses projetores e latas com rolos de filmes antigos, todos
pertencentes ao Cine Horizonte, ícone cultural da Vila Operária, um dos bairros
mais tradicionais da cidade.
Sílvio Lima, 66, um dos proprietários do ferro-velho,
explica que compraram há pouco tempo as peças do Cine Horizonte. Os filmes,
diz, foram adquiridos de uma enormidade de películas guardadas por Valter Del
Grossi, pioneiro da cidade que morreu no ano passado e que era conhecido como o
“Valtinho do Cine Horizonte”. Para as fotos, Sílvio permitiu que a equipe de
reportagem abrisse uma das latas. Dentro, um rolo de 35mm do longa-metragem
canadense “O Segredo de Sangue”, do qual pouco se tem informações na internet.
Ao contrário dos pedaços de motores fundidos, rodas, panelas
e outros infinitos metais que os sócios buscam para fazer girar o negócio com o
ferro-velho, a opção de ter adquirido aqueles objetos do antigo cinema de rua
maringaense em nada ter a ver com dinheiro, segundo Cecil Lima. “A molecada
invadia o prédio abandonado do Cine Horizonte para estragar tudo. Eles não têm
ideia da importância que isso tem para a história da cidade. Por isso,
resolvemos comprar alguns desses objetos perdidos. E é difícil vender, a não
ser que fosse para alguém do ramo, que saberíamos que faria algo para preservar
a história do cinema”, afirma.
Em meio ao labirinto de ferro, espremido por entre pilhas
com até três metros de altura de sucata, olhando para os projetores de filme,
os irmãos relembram velhas histórias envolvendo o Cine Horizonte, cinema de rua
inaugurado em 1951/52 em um barracão de madeira na Avenida Brasil e que, em
1966, mudou-se para um grande terreno de esquina na Avenida Riachuelo, na
Operária. “Esse aqui é um projetor de vários filmes passados nesse projetor ali
onde hoje funciona o Posto Maluf, na Brasil. Projetores como esses eram muito
comuns em cineclubes da época, igrejas, associações e em salas de aula da
universidade, principalmente nas décadas de 1960 e 70.”
Popular e resistente.
O Cine Horizonte marcou época e funcionou como chamariz para
moradores de outros bairros maringaenses irem até a Vila Operária não apenas
para assistirem a filmes, mas também para se encontrar com outras pessoas. O
historiador do Patrimônio Histórico de Maringá, João Laércio Lopes Leal, morou
27 anos no bairro e assistiu no Cine Horizonte uma infinidade de filmes. “Foi
lá o meu ritual de iniciação de cinema, conheci cinema a partir dali. Além de
ter sido um importante instrumento cultural, social e econômico, tenho uma
relação afetiva e sentimental com o Cine Horizonte, que extrapolava a questão
de apenas ver filmes. Mais que isso, era espaço de sociabilidade, reunião,
encontro, uma referência que sem dúvida ajudou a transformar a Vila Operária em
um dos bairros mais importantes de Maringá”, considera o historiador.
Com os outros cinco cinemas de rua – Cine Primor, Cine Ryan,
Cine Maringá, Cine Peduti e Cine Teatro Plaza – encerrando suas atividades
entre o decorrer das décadas 1950 e 1980, o Cine Horizonte ainda sucumbiu nos
anos 90. Isso, graças ao apelo popular do cinema, que, com sua capacidade para
até 1.600 lugares, em seu estágio final, repetia filmes já exibidos em outros
cinemas a preços módicos, além das sessões de filmes eróticos.
Ao final, duas igrejas ainda tentaram exercer atividades no
imóvel, mas logo foram fechadas. Antes do que ser o que é hoje – um canteiro de
obras prevendo a construção de duas torres residenciais –, a invasão de
mendigos no local incomodou vizinhos e proprietários, estimulando ainda mais a
demolição do prédio. Filme triste, afinal, como tem sido o destino de quase
todos os cinemas de ruas do País.
Colecionadores podem ajudar.
Na opinião do historiador João Laércio Lopes Leal, é
possível se achar, principalmente em residências de pioneiros da cidade,
verdadeiras raridades envolvendo a história cultural, em especial a história
dos cinemas de rua que um dia existiram por aqui.
Ele conta que o patrimônio detém alguns relatos históricos
de antigos proprietários, fotos raras e documentos que poderiam ser o início de
um projeto pensando na conservação histórica dos cinemas de rua que já
funcionaram em Maringá. “Desde que estou aqui, algumas monografias de
estudantes de Jornalismo e História já foram feitas sobre os antigos cinemas de
rua da cidade”, conta Leal.
Para o geógrafo e diretor do Museu da Família (MF) Edson
Pereira, as peças do Cine Horizonte encontradas recentemente no ferro-velho
citado pela reportagem poderiam motivar o pensamento de se criar um museu
cultural na cidade. Ele cita a Lei Municipal 904/2011, que institui o
Inventário do Patrimônio Cultural de Maringá, como alternativa para se pensar
em um museu físico que propiciasse a conservação histórica dos cinemas de rua.
“É necessário fazer um inventário cultural, envolvendo o
município e colecionadores particulares, para que todos esses acervos sejam
colocados em uma mesma base de dados. Acredito que pode ser elaborado um
inventário cultural, mas também campanhas junto a colecionadores para que esse
acervo, mesmo que dividido em diversas coleções, possa ser reunido, ainda que,
inicialmente, de forma virtual”, sugere Pereira.
*Reportagem publicada em 29 de agosto de 2014 no caderno
Cultura, do jornal O Diário do Norte do Paraná.
Texto e imagem reproduzidos do site: blogs.odiario.com/wilameprado
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