segunda-feira, 11 de abril de 2016

Cine Horizonte na sucata

Sílvio Lima mostra película do longa canadense 
"O Segredo de Sangue", exibido no Cine Horizonte.
 Foto de João Cláudio Fragoso.

Publicado originalmente no 'blogs.odiario.com'. em 27 de novembro de 2014.

Cine Horizonte na sucata.
Por Wilame Prado.

É no presente que encontramos pistas ou pedaços do passado. E parte da história dos vários cinemas de rua que funcionaram em Maringá entre 1940 e os anos 2000 pode ser encontrada em um ferro-velho na Avenida Pedro Taques, local onde os irmãos Lima guardam, em meio a toneladas de objetos acumulados nos últimos 50 anos, projetores de filme em 8, 16 e 35 milímetros, peças dispersas desses projetores e latas com rolos de filmes antigos, todos pertencentes ao Cine Horizonte, ícone cultural da Vila Operária, um dos bairros mais tradicionais da cidade.

Sílvio Lima, 66, um dos proprietários do ferro-velho, explica que compraram há pouco tempo as peças do Cine Horizonte. Os filmes, diz, foram adquiridos de uma enormidade de películas guardadas por Valter Del Grossi, pioneiro da cidade que morreu no ano passado e que era conhecido como o “Valtinho do Cine Horizonte”. Para as fotos, Sílvio permitiu que a equipe de reportagem abrisse uma das latas. Dentro, um rolo de 35mm do longa-metragem canadense “O Segredo de Sangue”, do qual pouco se tem informações na internet.

Ao contrário dos pedaços de motores fundidos, rodas, panelas e outros infinitos metais que os sócios buscam para fazer girar o negócio com o ferro-velho, a opção de ter adquirido aqueles objetos do antigo cinema de rua maringaense em nada ter a ver com dinheiro, segundo Cecil Lima. “A molecada invadia o prédio abandonado do Cine Horizonte para estragar tudo. Eles não têm ideia da importância que isso tem para a história da cidade. Por isso, resolvemos comprar alguns desses objetos perdidos. E é difícil vender, a não ser que fosse para alguém do ramo, que saberíamos que faria algo para preservar a história do cinema”, afirma.

Em meio ao labirinto de ferro, espremido por entre pilhas com até três metros de altura de sucata, olhando para os projetores de filme, os irmãos relembram velhas histórias envolvendo o Cine Horizonte, cinema de rua inaugurado em 1951/52 em um barracão de madeira na Avenida Brasil e que, em 1966, mudou-se para um grande terreno de esquina na Avenida Riachuelo, na Operária. “Esse aqui é um projetor de vários filmes passados nesse projetor ali onde hoje funciona o Posto Maluf, na Brasil. Projetores como esses eram muito comuns em cineclubes da época, igrejas, associações e em salas de aula da universidade, principalmente nas décadas de 1960 e 70.”

Popular e resistente.

O Cine Horizonte marcou época e funcionou como chamariz para moradores de outros bairros maringaenses irem até a Vila Operária não apenas para assistirem a filmes, mas também para se encontrar com outras pessoas. O historiador do Patrimônio Histórico de Maringá, João Laércio Lopes Leal, morou 27 anos no bairro e assistiu no Cine Horizonte uma infinidade de filmes. “Foi lá o meu ritual de iniciação de cinema, conheci cinema a partir dali. Além de ter sido um importante instrumento cultural, social e econômico, tenho uma relação afetiva e sentimental com o Cine Horizonte, que extrapolava a questão de apenas ver filmes. Mais que isso, era espaço de sociabilidade, reunião, encontro, uma referência que sem dúvida ajudou a transformar a Vila Operária em um dos bairros mais importantes de Maringá”, considera o historiador.

Com os outros cinco cinemas de rua – Cine Primor, Cine Ryan, Cine Maringá, Cine Peduti e Cine Teatro Plaza – encerrando suas atividades entre o decorrer das décadas 1950 e 1980, o Cine Horizonte ainda sucumbiu nos anos 90. Isso, graças ao apelo popular do cinema, que, com sua capacidade para até 1.600 lugares, em seu estágio final, repetia filmes já exibidos em outros cinemas a preços módicos, além das sessões de filmes eróticos.

Ao final, duas igrejas ainda tentaram exercer atividades no imóvel, mas logo foram fechadas. Antes do que ser o que é hoje – um canteiro de obras prevendo a construção de duas torres residenciais –, a invasão de mendigos no local incomodou vizinhos e proprietários, estimulando ainda mais a demolição do prédio. Filme triste, afinal, como tem sido o destino de quase todos os cinemas de ruas do País.

Colecionadores podem ajudar.

Na opinião do historiador João Laércio Lopes Leal, é possível se achar, principalmente em residências de pioneiros da cidade, verdadeiras raridades envolvendo a história cultural, em especial a história dos cinemas de rua que um dia existiram por aqui.

Ele conta que o patrimônio detém alguns relatos históricos de antigos proprietários, fotos raras e documentos que poderiam ser o início de um projeto pensando na conservação histórica dos cinemas de rua que já funcionaram em Maringá. “Desde que estou aqui, algumas monografias de estudantes de Jornalismo e História já foram feitas sobre os antigos cinemas de rua da cidade”, conta Leal.

Para o geógrafo e diretor do Museu da Família (MF) Edson Pereira, as peças do Cine Horizonte encontradas recentemente no ferro-velho citado pela reportagem poderiam motivar o pensamento de se criar um museu cultural na cidade. Ele cita a Lei Municipal 904/2011, que institui o Inventário do Patrimônio Cultural de Maringá, como alternativa para se pensar em um museu físico que propiciasse a conservação histórica dos cinemas de rua.

“É necessário fazer um inventário cultural, envolvendo o município e colecionadores particulares, para que todos esses acervos sejam colocados em uma mesma base de dados. Acredito que pode ser elaborado um inventário cultural, mas também campanhas junto a colecionadores para que esse acervo, mesmo que dividido em diversas coleções, possa ser reunido, ainda que, inicialmente, de forma virtual”, sugere Pereira.

*Reportagem publicada em 29 de agosto de 2014 no caderno Cultura, do jornal O Diário do Norte do Paraná.

Texto e imagem reproduzidos do site: blogs.odiario.com/wilameprado

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