sexta-feira, 28 de outubro de 2016

16 mm, o cinema portátil

 Foto publicitária de um projetor 16mm alardeando
 seu peso de apenas 13 quilos. A tampa do aparelho era a caixa de som.

Capa de um catálogo de filmes de uma distribuidora.

Publicado originalmente no site da Revista Ideias, em 3 de novembro de 2015.   

16 mm, o cinema portátil.
Por José Augusto Jensen.
        
Os projetores sonoros 16mm foram muito difundidos na época da Segunda Guerra, pelo seu tamanho reduzido, portabilidade, filme de bitola menor que os 35mm usados nos grandes cinemas, cópias mais baratas, também em rolos de filmes menores, mais leves e, claro, custo bem menor. Um filme de duração normal, 90 minutos, era dividido em 3 carreteis de 35 centímetros de diâmetro, e acondicionado em uma maleta para transporte. Os projetores eram também muito fáceis de transportar e, com algum preparo, muito fáceis de operar. De extrema flexibilidade, poderia se obter tela de centímetros a, por exemplo, 3,40 por 2,55 metros (proporção do filme standard), ou até bem mais, dependendo da distância do projetor à tela, das lentes e lâmpadas usadas na projeção. Com uma boa cópia, a imagem era maravilhosa, sem comparação com a dos videocassetes que proliferaram a partir dos anos 1980, reproduzidos nos aparelhos de tevê ou projetores de vídeo de então. Apesar da má qualidade e tamanho reduzido, impróprios para o cinema, o vídeo cassete matou o 16mm, que desapareceu por completo. Para mim deixou saudades, pois não conseguia aceitar ver os filmes com tela pequena e tão baixa qualidade.  Os filmes 16mm eram então alugados nas diversas distribuidoras da cidade, que ofereciam um catálogo de títulos e que eram “marcados”, dependendo da data acertada entre você e o programador. Claro que não era tão barato, nem havia tanta disponibilidade quanto uma locadora hoje. Por isso, nos reuníamos em casa ou em salões, dividindo o aluguel dos filmes. Depois, naturalmente, as discussões sobre o que se tinha visto.

Esta bitola foi muito usada para cinema em casa, nos clubes, em aulas nas escolas, conferências, treinamento nas empresas, e principalmente cine clubes. Escolas e empresas possuíam filmotecas e empresas de eventos alugavam, além de filmes, os projetores. Desenhos animados animavam aniversários infantis e até filmes pornôs, proibidíssimos, eram projetados em reuniões privadas.  Vale lembrar que pornografia dava cadeia.

Em novembro de 2014, o Vienna International Film Festival promoveu uma mostra muito concorrida deste formato. Ele dominou o cinema fora do “Studio System”, pois muitos artistas o utilizaram e ainda o utilizam como cinema experimental, reportagens, filmagens privadas ou familiares, por isso é um documento importante do passado. Também havia a bitola 8mm, e mais tarde o super 8, mais limitados e usados para filmagens caseiras.

No clube Concórdia, Harry Luhm, dentista e aficionado por cinema, selecionou e projetou filmes em 16mm de 1951 a 1969, toda terça-feira, sessões às 20 horas, as famílias reunidas em mesas, com sonhos, empadinhas, bebidas. Parou quando os sócios começaram a comprar os aparelhos de TV e passaram a deixar de frequentar o cinema do clube, diminuindo muito o “público”. Contam que certa noite, ele estava projetando um filme italiano, em que a personagem tinha sofrido o roubo de sua pequena bolsa, e se sabe a palavra em italiano para bolsinha, quando diziam a palavra ele cortava o som para não ferir os ouvidos da plateia. Em outra ocasião, alugou “Europa de noite” (Europa di Notte -1960) documentário com atrações noturnas em cidades européias, cantores de sucesso da época como Domenico Modugno, The Platters. Porém, alguns números de strip-tease no Lido de Paris, um problema, pois o filme tinha sido exibido nos cinemas com censura 18 anos. O Harry assistiu ao filme antes, cortou estes números e o projetou normalmente para as famílias. Mais tarde, exibiu só para os homens avisados do conteúdo, os números cortados. Antes de devolver o filme à distribuidora, emendou tudo de volta. Depois disso, com sua paixão por cinema, Harry montou em sua residência um estúdio e se dedicou a passar para vídeo películas em qualquer bitola, com o intuito de preservar a nossa história.
   
Foto publicitária mostrando um projetor equipado com Cinemascope
e som estéreo, o widescreen da época, em uma projeção doméstica.

Sessões cinematográficas eram promovidas também no Círculo Militar, Curitibano, Graciosa, Thalia e tantos outros. Além disso, havia os cinemas itinerantes, pelos bairros distantes, colônias e cidades do interior. Muitas, como Cascavel por exemplo, tiveram seu primeiro cinema fixo nesta bitola, depois convertidos para 35mm, com o crescimento da cidade e consequentemente da sala cinematográfica.

Adolescente, assisti a muitos filmes em casa, pois tínhamos projetor, e um tio que trabalhava em uma pequena distribuidora de filmes europeus. Na maioria, filmes proibidos a menores de 18 anos nos cinemas. Vi quase todos os da Brigitte Bardot. Nada demais, hoje passaria na sessão da tarde da TV. Em 1973, eu e o crítico Estevão von Harbach mantivemos sessões semanais abertas no auditório da Biblioteca Pública, com o propósito de compartilharmos filmes de nosso interesse e que não eram mais exibidos comercialmente nas grandes salas. Era uma opção ao cine clube, difícil de manter. Tivemos algum sucesso, com, por exemplo, Festival de curtas do Chaplin, Sinfonia de Paris, (An American in Paris, com Gene Kelly, Leslie Caron, direção de Vicente Minelli, Metro – 1951), documentários e muitos outros títulos. Era uma caçada aos velhos filmes, juntamente com os cinemas de bairro, que reprisavam com muito atraso produções, algumas de nosso interesse, e aproveitar para refazer uma vivência de espectador que ainda não possuíamos.

No teatro Paiol, em seu início, além dos shows, muitos filmes foram projetados nesta bitola, por iniciativa do saudoso e atuante crítico Aramis Milarch, então na Fundação Cultural de Curitiba.

As emissoras de TV utilizavam também esta bitola para exibir filmes, seriados, comerciais e pequenas notícias distribuídas pelas agências, em suma, tudo que não era “ao vivo”, antes do advento do vídeotape profissional.

Em Curitiba existiam escritórios de companhias aéreas, consulados e a USIS (United States Information Service) que distribuíam documentários gratuitamente, divulgando seus países. Lembro-me de ter assistido a alguns filmes poloneses, que nunca foram exibidos nos cinemas, dos quais gostei muito. Da USIS, todo o programa Apolo da Nasa e tantas outras coisas, que me fazem sentir, apesar do Youtube, da disponibilidade de tantos canais abertos e pagos, saudades desta época, pois vasculhar algo bom e bem apresentado, em meio a tanta coisa ruim, é tarefa hercúlea e que exige paciência.

Também éramos beneficiados pelo que ouvíamos na Rádio Estadual, hoje E-Paraná, com programas musicais fornecidos em fitas magnéticas pelas embaixadas e consulados.

Apesar das restrições da censura no regime militar, essas entidades internacionais nos davam muita liberdade do que ver e ouvir.

Texto e fotos reproduzidos do site: revistaideias.com.br

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