"Cinema Paradiso" (1988). (Nuovo Cinema Paradiso).
Vencedor do Oscar #1988 (Filme estrangeiro).
Dirigido por Giuseppe Tornatore.
Elenco: Philippe Noiret, Jacques Perrin, Salvatore Cascio,
Marco Leonardi, Antonella Attili, Enzo Cannavale, Isa Danieli, Leo Gullotta,
Pupella Maggio, Agnese Nano, Leopoldo Trieste, Roberta Lina, Nino Terzo,
Brigitte Fossey, Tano Cimarosa e Nicola Di Pinto.
Roteiro: Giuseppe Tornatore.
Produção: Mino Barbera, Franco Cristaldi e Giovana
Romagnoli.
[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta
crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é
necessário citar cenas importantes da trama].
A história da linda amizade entre um garoto órfão de pai e
um projecionista de cinema sem filhos se mistura à própria história do cinema
italiano, nesta linda homenagem do diretor Giuseppe Tornatore ao cinema de uma
forma geral, que espalhou lágrimas de cinéfilos por todo o mundo em 1988.
Auxiliado por uma das mais lindas trilhas sonoras de um gênio e por atuações
sensíveis e tocantes, “Cinema Paradiso” é uma realização única e incrivelmente
emocionante.
Alguns anos depois do final da Segunda Guerra Mundial e
antes da chegada da televisão, uma pequena cidade da Sicília, na Itália, foi o
palco de uma grande amizade entre Salvatore “Totó” (Jacques Perrin), um garoto
apaixonado por cinema, e Alfredo (Philippe Noiret), o projecionista do cinema
local conhecido como “Cinema Paradiso”. As lembranças desta amizade marcante,
provocadas pela notícia da morte de Alfredo, tomam conta dos pensamentos do
agora bem sucedido cineasta Salvatore, que se prepara para voltar à cidade
natal após trinta anos.
O diretor Giuseppe Tornatore conduz “Cinema Paradiso” com
extrema elegância, através de belos movimentos de câmera, como um travelling
que se inicia no crochê abandonado pela mãe de Salvatore (Antonella Attili,
jovem, e Pupella Maggio, idosa) quando este finalmente retorna pra casa, passa
pela janela e pelo taxi, até finalmente encontrar o rapaz abraçando sua mãe.
Tornatore, aliás, abusa dos travellings e panorâmicas, explorando com
competência as lindas paisagens da bela Itália, auxiliado pela direção de
fotografia de Blasco Giurato. O diretor também conduz muito bem a tensa
seqüência do incêndio no Cinema Paradiso, iniciada exatamente quando um tiro
seria disparado no filme que passava. Em seguida, a pergunta “quem irá
reconstruir o Cinema Paradiso?” é respondida com outro movimento de câmera, que
aponta o napolitano vencedor da loteria. E ele realmente ergue o “Novo Cinema
Paradiso”, dando início a uma nova fase no cinema da cidade, agora comandado
por Totó, já que Alfredo foi gravemente ferido no incêndio e perdeu a visão. Em
outro momento, um movimento simples, porém muito simbólico, acontece quando
Salvatore tem a confirmação da morte do pai. Observe como Tornatore leva a
câmera até um pôster de “…E o Vento Levou”, numa clara alusão à semelhança
física entre o pai dele e Clark Gable que Alfredo havia comentado antes.
Finalmente, Tornatore também utiliza o zoom na bela cena em que Alfredo conta a
história do soldado que prometeu aguardar por cem dias pela amada, e que
refletirá em outra linda seqüência entre Salvatore e sua paixão Elena (Agnese
Nano).
Giuseppe Tornatore também demonstra muita competência na
condução dos atores, a começar pela dupla que conduz a narrativa formada por
Totó e Alfredo, mas interpretada por quatro atores diferentes. A relação de
amizade entre eles se inicia com as discussões sobre a presença do garoto na
sala de projeção e caminha até o mais puro sentimento de respeito e carinho que
acompanha ambos por toda a vida. Para transmitir esta sensação, é essencial que
exista química entre os personagens, e felizmente Philippe Noiret consegue
estabelecer esta química com todos os atores que interpretam Totó em suas três
fases, com destaque especial para a infância, vivida por Salvatore Cascio. O
início da amizade entre Alfredo e o menino Totó é o que determina a empatia do
público com a dupla. Também interpretam Salvatore os atores Marco Leonardi, na
adolescência, e Jacques Perrin, já na fase adulta e responsável por momentos
emocionantes do longa. Ao ouvir a notícia da morte de Alfredo, o já adulto
Salvatore finge não ser nada demais, mas quando vira para o lado na cama, seu
semblante demonstra claramente a importância daquele nome e o impacto da
notícia. A chuva e o rosto triste mergulhado nas sombras deixam claro para o
espectador que se trata de alguém realmente marcante. Com a ausência do pai,
claramente sentida pelo garoto, é em Alfredo que Totó enxerga a figura paterna,
e por isso o menino se apega àquela figura aparentemente ranzinza, mas
encantadora em sua essência e com enorme coração. Ao mesmo tempo, Alfredo adota
Salvatore como o filho que não teve e mesmo que inconscientemente, eles se
completam. É compreensível, portanto, que vivendo numa pequena cidade italiana
no período do pós-guerra, ainda sem televisão e órfão de pai, o menino enxergue
no escuro do cinema (e na companhia de Alfredo) a oportunidade de fugir da
realidade e viver um mundo de sonhos. Sua vida começou a mudar definitivamente
quando ajudou Alfredo numa prova e conseguiu o direito de freqüentar a cabine
de projeção. A partir dali, viveu um período mágico em sua vida. Já a vida de
Alfredo mudaria completamente após a tragédia do incêndio no antigo Cinema
Paradiso. Impossibilitado de fazer aquilo que mais amava, ele passa a ter ainda
mais sensibilidade para perceber o mundo à sua volta. E a atuação de Philippe Noiret
cresce ainda mais quando Alfredo fica cego, transmitindo ainda mais emoção e
expondo com competência os sentimentos do personagem, como num sorriso que ele
solta ao pressentir que Totó vai ver Elena dentro da igreja. A importância de
Antonio na vida de Salvatore fica ainda mais evidente quando vemos este pedir
para que ele “fique longe” e “não volte mais!”. Antonio entendia que ele
poderia conseguir muito mais na vida indo para a cidade grande (“O mundo é
seu!”), o que demonstra um amor verdadeiro, que não é egoísta e prefere a
felicidade de Totó ao invés de mantê-lo preso ao seu lado – e no fundo, ele
sabia que se pedisse, Totó ficaria. O rapaz cumpriu a promessa, ficando trinta
anos sem voltar à cidade, e em sua volta, é visto com muito respeito por todos,
realizando o sonho de Alfredo – e até mesmo a composição visual de Tornatore
demonstra isto, filmando Salvatore de baixo pra cima, demonstrando grandeza.
A linda estória narrada conta também com o ótimo roteiro do
próprio Giuseppe Tornatore, que abusa da metalingüística, fazendo diversas
referências ao próprio cinema. Além disso, utilizando um linguajar despojado e
com muitos palavrões (típico dos italianos), constrói de forma bastante
consistente a amizade entre Totó e Alfredo, apresentando também os bastidores
do trabalho de projeção dos filmes e revelando a paixão de ambos pelo cinema. O
fascínio das pessoas pelo cinema, aliás, é notável durante toda a narrativa.
Elas deixam compromissos para trás, brigam, aguardam por horas na porta, tudo
para ver um bom filme. Interessante notar também o sorriso no rosto das
crianças ao ver os filmes do gênio Charles Chaplin. Além disso, o roteiro
explora muito bem o bom humor, como no engraçado método de censura do padre
Adelfio (Leopoldo Trieste) para os filmes exibidos no Cinema Paradiso, onde
todas as cenas de beijo são cortadas, provocando verdadeiros saltos na projeção
que causam a imediata reação da platéia. Por outro lado, quando finalmente
assistem uma cena de beijo, a reação de espanto e alegria é enorme. Outro
momento de bom humor acontece quando Alfredo projeta um filme numa casa e o
morador sai para ver a razão daquele alvoroço. Repare também como alguém grita
que “a praça é nossa” durante a tentativa de cobrar ingresso, provocando a
imediata reação do louco da praça, que responde com sua frase característica “a
praça é minha!”.
Tecnicamente “Cinema Paradiso” também tem qualidades, a
começar pela boa montagem de Mario Morra. Observe, por exemplo, o salto de
muitos anos na narrativa durante uma conversa entre Totó e Alfredo e a elegante
seqüência em que uma bicicleta vai e volta com os filmes na garupa,
demonstrando o sacrifício daquelas pessoas para não deixar o público esperando
dentro do cinema. A trilha sonora do gênio Ennio Morricone é um capítulo à parte.
Absolutamente linda, a nostálgica trilha se confunde com o clima de saudade de
todo o longa. O deleite visual fica por conta da boa direção de fotografia de
Blasco Giurato, que explora a beleza das locações italianas, se contrapondo
muito bem ao excelente uso da luz e das sombras nas cenas dentro do Cinema
Paradiso. Já a direção de arte de Andrea Crisanti capricha na tipicamente
italiana cidade de Giancaldo, com a praça central e as ruas de pedras. Além
disso, podemos observar o bom trabalho de Crisanti no interior abandonado do
Cinema Paradiso. E finalmente, merece destaque a ótima maquiagem de Maurizio
Trani, notável em diversos personagens quando Totó retorna para a cidade.
A sensibilidade de Tornatore também brinda o espectador com
algumas seqüências incrivelmente belas, como o primeiro beijo de Totó e Elena,
auxiliado pela maravilhosa trilha sonora e pelos clarões da chuva que cai.
Outro momento tocante acontece quando Salvatore retorna ao Cinema Paradiso. Os
pequenos detalhes encontrados no abandonado cinema, como a boca do Leão de onde
eram projetadas as imagens, são extremamente importantes pra ele, afinal de
contas, fazem parte das lembranças de uma fase importante de sua vida. A vida é
feita destas pequenas memórias e o longa retrata muito bem isto. Em outra cena,
o choro das pessoas ao ver uma parte da história da cidade e da vida delas ir
embora junto com a implosão do Cinema Paradiso é de cortar o coração. Difícil
segurar as lágrimas. Assim como é praticamente impossível segurar as lágrimas na
belíssima seqüência final, quando Totó assiste ao “filme proibido” deixado de
presente por Alfredo, com pedaços de cenas de beijo de grandes filmes da
história do cinema italiano.
“Cinema Paradiso” é uma linda homenagem à magia do cinema e
por isso, encanta aos cinéfilos de forma singular. Além disso, quando vemos a
estrutura do cinema sendo demolida, seguida pela emocionante seqüência final em
que Salvatore finalmente vê os pedaços de filmes cortados por Alfredo, sentimos
uma mistura de emoções, pois sabemos que ali está se despedindo não apenas o
Cinema Paradiso, mas também uma fase áurea do cinema italiano, marcante para
muitos cinéfilos e que entrou para a história como um dos melhores períodos da
sétima arte. Por isso tudo, “Cinema Paradiso” comove, abordando temas
universais de forma singela e inesquecível.
Texto publicado em 30 de Março de 2010 por Roberto Siqueira.
Texto e imagens reproduzidos do site: cinemaedebate.com
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