O programador de cinema Celso Freitas em sua casa, onde mantém coleção de filmes.
Já conheço todos, mas de vez em quando ponho de novo para assistir, diz.
Foto: Juarez Rodrigues.
Publicado originalmente no site UAI, em 13/03/2016.
Cinéfilo Celso Freitas programa salas há 63 anos.
Programador de cinema coleciona 6 mil filmes e sabe de cor
diálogos de títulos como 'O jardim de Allah'.
Por Mariana Peixoto.
Celso Freitas era um garoto de não mais do que 17 anos na
Belo Horizonte de 1952. Quando não estava na escola, sua diversão era ir até o
escritório da Columbia Pictures, na Região Central, para pegar os folhetos dos
filmes que chegavam aos cinemas. E mais o que sobrasse dos filmes. “As fitas
chegavam para ser revisadas e a perfuração às vezes estragava. Em vez de fazer
uma emenda, cortavam um pedaço da fita e jogavam fora.”
Ávido por cinema e um dos primeiros integrantes do
recém-criado Centro de Estudos Cinematográficos (CEC), Celso pegava os
pedacinhos de filme. Em dezembro daquele ano, assim que terminou o segundo
grau, ele se preparava para voltar para casa, em Bom Despacho, Centro-Oeste de
Minas, para decidir, com seus pais, para que curso prestaria vestibular. O
cinema mudou tudo.
“Eu iria para casa numa segunda-feira. No sábado anterior, o
gerente da Columbia me chamou e disse que estava precisando de uma pessoa lá”,
relembra. Isso foi em dezembro de 1952. Da companhia, como ele chama a
produtora e distribuidora, Celso nunca mais saiu. “Sou o mais antigo
funcionário da Columbia no Brasil, possivelmente o mais idoso”, orgulha-se, do
alto de seus 81 anos de idade – e 63 de trabalho.
Celso é do tempo em que filme era chamado de fita, em que as
salas de exibição eram enormes, em que grandes rolos exibiam narrativas que
hoje cabem num pen drive. Entre os anos 1970 e 1980, chegou a controlar 11
companhias de cinema (Fox, Warner, Paramount etc.) que tinham escritórios em
BH. Também administrou seis cinemas (os extintos Amazonas, Candelária e Nazaré,
entre outros). Tamanha era a atividade dos programadores de salas, que a área
reservada a eles era chamada de “gaiola das loucas”.
Ainda na ativa – trabalha de segunda a sexta, na parte da
manhã, controlando os filmes da Columbia e da Universal que chegam aos cinemas
de BH e do interior do estado –, Celso é também um dos maiores colecionadores
de filmes antigos da cidade.
São pelo menos 6 mil títulos, em DVD, blu-ray e HD,
que ele guarda em estantes espalhadas por sua casa na Floresta. Há coisa nova,
mas a maior parte é antiga. Celso é seletivo. Fitas europeias e nacionais, só
entram as de que ele realmente gosta. “Minha escola é a americana, tomei gosto
(pelo cinema) por conta dela. Hoje, por exemplo, não tenho necessidade de ir ao
cinema. Além do mais, não se fazem mais fitas para ver no cinema, mas no vídeo,
na televisão. E não tem mais os grandes músicos, grandes diretores, astros. Da
minha época, só resta o Kirk Douglas numa cadeira de rodas.”
Ainda que na opinião dele o melhor já tenha sido feito,
Celso, até por causa de sua profissão, mantém-se atualizado. Assistiu a todos
os filmes do Oscar. O regresso ele viu inclusive em IMAX. E fez lá seus
reparos. “Tiraram tudo de Fúria selvagem (dirigido por Richard C. Sarafian,
lançado em 1971 e também inspirado na trajetória do explorador Hugh Glass). A
cena do urso é igualzinha e o primeiro é mais comercial, com mais ação”,
comenta.
A coleção de Celso é organizada por ordem alfabética.
Descobrimos na letra u, por exemplo, quatro títulos O último dos moicanos, a
partir da primeira adaptação da obra de James Fenimore Copper – muda, de 1920.
Ele faz questão de lembrar não ter somente o mais recente, de 1992, estrelado
por Daniel Day-Lewis. É, na opinião de Celso, a mais fraca das adaptações.
Para uma pessoa que passou a vida em meio a filmes, não é
fácil escolher os preferidos. Elege épicos como Ben-Hur (1959), El Cid (1961) e
Lawrence da Arábia (1962) e os dramas Em cada coração um pecado (1942), Um
lírio na cruz (1944) e O amanhã é eterno (1946). Conversa enquanto coloca no
home theatre um filme atrás do outro. Cala-se para observar a cena final de O
jardim de Allah (1936), em que um monge contesta a própria vocação ao se
apaixonar por uma mulher (que não é outra que Marlene Dietrich). Sabe, de cor,
o diálogo final.
Os filmes são antigos, mas a coleção é moderna. Antes do
digital, ele tinha os clássicos em VHS. Eram ao menos 4 mil fitas de vídeo.
Doou o acervo para o Centro de Referência do Audiovisual (CRAv). Hoje, mantém
com cuidado todo o material. Há mais de uma década um grupo de amigos cinéfilos
vai aos sábados até sua casa. Trocam filmes e informações. O grupo diminuiu nos
últimos anos – uns morreram, outros se mudaram da cidade –, mas não a paixão pelo
cinema: “Isso existe mais para servir as pessoas. Já conheço todos, mas de vez
em quando ponho de novo para assistir”.
Texto e imagem reproduzidos do site: uai.com.br/app/noticia/cinema
Nenhum comentário:
Postar um comentário