terça-feira, 9 de maio de 2017

Cine Saudade - Cinema Paradiso na pequena Brodowski.


Phillippe Noiret e Salvatore Cascio em "Cinema Paradiso"; 
José Flávio Mantoani, voltando décadas no tempo.

Publicado originalmente no blog Western Cinemania, em 6 de abril de 2016.

Cine Saudade - Cinema Paradiso na pequena Brodowski. 
Por Darci Fonseca.

Brodowski é uma pequena cidade da Região Nordeste do Estado de São Paulo, nacionalmente conhecida por ter sido o berço de Cândido Portinari, pintor brasileiro consagrado mundialmente. Muitas das belas e valiosas telas que Portinari pintou foram inspiradas por suas bucólicas ruas (ainda sem calçamento) e por seus moradores, especialmente as crianças em movimento que Cândido tanto gostava de pintar. O menino brodosquiano José Flávio Mantoani bem poderia ter sido uma das crianças retratadas pelo pincel genial de Portinari pois também brincava nas ruas da cidadezinha situada a 27 quilômetros da já populosa Ribeirão Preto. Mas jogar bola, empinar pipa ou brincar de ‘pula carniça’ não eram as diversões que José Flávio mais apreciava. Apelidado de ‘Mith’ pelos amiguinhos, José Flávio gostava mesmo, além da conta, era das sessões para crianças e adolescentes dos três cinemas de Brodowski, o ‘Paroquial’, o ‘Santa Amélia’ e o ‘Paratodos’. Mith frequentava assiduamente as três salas e, como não poderia deixar de ser, o faroeste era seu gênero de filmes favorito. Mith assistia às aventuras de Rex Allen, mocinho que mais gostava, com dúzias de gibis no colo, gibis que antes e no intervalo das sessões eram trocados na porta e mesmo dentro do cinema. Isso ocorria identicamente tanto nas cidades grandes como na Brodowski que possuía, então, perto de cinco mil habitantes.

As emoções dos seriados - O garoto Mith jamais perdia as matinês dominicais que exibiam faroestes com Roy Rogers, Allan ‘Rocky’ Lane, Hopalong Cassidy, Durango Kid, Bill Elliott e outros que ele admirava em grau um pouco menor que o ‘Cowboy do Arizona’ Rex Allen. Era bom demais ver semanalmente esses mocinhos cavalgarem seus belos corcéis e distribuir socos bem aplicados nos queixos de Roy Barcroft e outros bandidos, além de se emocionar com cada capítulo dos seriados. Este tipo de filme seccionado em episódios exibidos semanalmente tinham um sabor especial para a garotada que, mesmo sabendo que os heróis eram invencíveis, ficava a imaginar como poderiam eles se safar das enormes serras elétricas, explosões, quedas em despenhadeiros e outros criativos perigos. Cada novo seriado como “Os Perigos de Nyoka”, “O Homem Foguete”, “A Espada do Zorro”, “Flash Gordon”, “O Aliado Misterioso”, “Os Tambores de Fu Manchu”, “Super-Homem”, “O Fantasma Voador” e “O Homem de Aço” (Capitão Marvel) era tão aguardado como a chegada das férias escolares ou mesmo Papai Noel com o novo brinquedo. O seriado “A Vingança de El Látego” fez tanto sucesso entre a garotada que o proprietário do Cine Paratodos o reprogramou para nova exibição de seus 12 episódios, atendendo aos pedidos da criançada de Brodowski. O operador de projeção Luiz Stechini teve, pela primeira vez, que reprisar um seriado. Fanático por faroestes, Mith passava muito tempo olhando os lobby cards expostos nas paredes dos cinemas e não se conformava em não poder assistir àqueles filmes de cowboy estrelados por artistas como Gregory Peck, Randolph Scott, Alan Ladd, Gary Cooper e John Wayne. Mith escutava os mais velhos dizerem sempre que aqueles eram os melhores artistas do cinema.

Ajudante do ‘Seo’ Luiz no Cine Paratodos - Mith impressionava os demais meninos mostrando que conhecia aqueles atores e atrizes que não atuavam nos westerns B ou nos seriados. E eram esses filmes anunciados nos grandes cartazes, uma tentação para o garoto, futuro cinéfilo em formação e que certo dia teve uma tão brilhante quanto ousada ideia. Mith procurou o senhor Luiz Stechini e perguntou se ele não precisava de um ajudante. ‘Seo’ Luiz tinha sim muito trabalho com filmes que se partiam e necessitavam ser emendados, além ainda de rebobiná-los para devolvê-los ao distribuidor. Por que não, então, aproveitar aquele menino que se oferecia para trabalhar sem ganhar nada e que teria a função de rebobinar os filmes exibidos? E Mith, com autorização dos pais, pode então ver o que havia nos fotogramas de rolos de filmes muito falados. “Ao Rufar dos Tambores” havia feito bastante sucesso quando exibido e Mith pode conhecê-lo ali, clandestinamente, na sala de projeção do Cine Paratodos. O mesmo ocorreu com “O Matador”, “Sangue de Heróis” e “O Anjo e o Bandido”, estes dois últimos estrelados por John Wayne, de quem se falava muito naqueles primeiros anos da década de 50. Rex Allen, Roy Rogers e Rocky Lane passaram então a ter, para Mith, a concorrência de Wayne, Joel McCrea, Randolph Scott, Jeff Chandler e James Stewart, entre outros como mocinhos de muitos faroestes com censura acima de 14 anos de idade.

Ligando-se, na prática, ao cinema - Após três inesquecíveis anos passados dentro da cabine de projeção do Cine Paratodos, em Brodowski, Mith teve que deixar a função, com certa tristeza, é claro. Mas já podia assistir a filmes como “Os Brutos Também Amam” e “Matar ou Morrer” sentado na plateia do Cine Santa Amélia e ao lado de outros amigos, se emocionando com Alan Ladd e Gary Cooper. O tempo passou e José Flávio assistiu a um incontável número de filmes durante sua vida, tornando-se um grande colecionador e envolvendo-se diretamente com a 7.ª Arte ao criar, junto com outros amigos, o Grupo de Cinema de Brodoswski. Esse grupo já realizou um total de 18 longa-metragens e três documentários e nessas produções José Flávio Mantoani é um dos membros mais atuantes. Escreve roteiros, cuida da trilha sonora musical e interpreta tipos sempre marcantes como o Presidente do Estado Campos Salles em “Dioguinho” (2002) ou o médico charlatão em “Dioguinho – A Volta do Matador” (2015).

O Totó de Brodowski - O cinema sempre fez parte da vida de José Flávio Mantoani, o Mith, mas uma emoção incomparável ele sentiu ao assistir “Cinema Paradiso”, em 1990. Naquela poética declaração de amor que Giuseppe Tornatore fez ao cinema, Mith se reconheceu no personagem ‘Totó’ (Salvatores Cascio), o menino que, assim como ele, ajudava o projecionista ‘Alfredo’ (Pillippe Noiret). Ambos, Totó e Mith descobriram clandestinamente o mundo maravilhoso do cinema, emoção que se repetia a cada fotograma olhado com especial carinho ao ver e, como num sonho tocar, o celuloide que estampava um daqueles nomes admirados por milhões de pessoas no mundo inteiro. Totó num pequeno vilarejo siciliano e Mith na sua querida Brodowski, no Cine Paratodos que se tornou um autêntico ‘Cine Saudade’ para José Flávio Mantoani.

Texto e imagens reproduzidos do blog: westerncinemania.blogspot.com.br

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