quinta-feira, 11 de maio de 2017

Documentário resgata histórias vivenciadas nos cinemas de rua

 Ator e diretor, o 'Rei da Pornochanchada' Carlo
Mossy participa do documentário 

Ex-gerente do Cine Santa Rosa, Zé Grande relembra o convívio 
que teve com o ator e diretor Mazzaropi

Pesquisadora dos cinemas de rua, Talitha Ferraz fala da comoção popular
com o fechamento do Cine Olinda. (Fotos: Divulgação).

Publicado originalmente no site da FAPERJ, em 23/06/2016.

Documentário resgata histórias vivenciadas nos cinemas de rua
Por Aline Salgado.

Qualquer semelhança, não é mera coincidência. É o que confidencia o professor do Curso de Produção Cultural do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), campus Nilópolis, Tiago José Lemos Monteiro. Bebendo na produção de um dos maiores cineastas e documentaristas brasileiros, Eduardo Coutinho (1933-2014), o pesquisador produziu um vídeo-documentário sobre as relações de personagens anônimos e famosos com o ambiente dos cinemas de rua do Rio de Janeiro e o fascínio despertado pela imagem em movimento na telona.

O set de filmagens é uma das salas do Cine Center, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, já desativado. No elenco, estudiosos dos cinemas de rua do Rio, estudantes, espectadores, profissionais que trabalharam em antigas salas de exibição, personalidades que viveram os tempos áureos da produção cinematográfica brasileira e, até mesmo, atores, que interpretam histórias fictícias.

Memórias vividas, criadas e interpretadas se combinam na reconstrução do imaginário que envolve os cinemas de rua neste documentário do professor do IFRJ – da mesma forma como Eduardo Coutinho fez em seu "Jogo de Cena" (2007), longa que mistura realidade e dramaturgia, onde os personagens reais falam da sua própria vida e, depois, atrizes interpretam as personagens. Um jogo em que o espectador não sabe o que é real e o que é ficção.

"Sempre me consternou o fato de os cinemas de rua terem sido extintos e dado lugar a outros empreendimentos, como farmácias e igrejas. Visitar e revisitar esses lugares, pautava meu interesse", conta Tiago, que, em 2011, obteve apoio da FAPERJ, por meio do edital Apoio à Produção e Divulgação das Artes no Estado do Rio de Janeiro – 2011, para desenvolver seu projeto.

O pesquisador ressalta que, inicialmente, a ideia era fazer uma pesquisa histórica sobre os cinemas da Baixada Fluminense. No entanto, a escassez de fontes documentais levou a uma mudança de rumo do projeto. Diante desse desafio, Tiago optou por aliar o interesse de contar a história dos cinemas à sua atividade como professor responsável pelo Núcleo de Criação Audiovisual do IFRJ – Nuca. Para realizar a tarefa, ele contou com a ajuda de 10 colaboradores, entre pesquisadores, monitores, bolsistas e voluntários.

"Eu tinha essa vontade de criar uma produção de cunho historiográfico com um viés mais memorialista das pessoas com as salas de cinema de rua. Pensar a realidade dos bairros de subúrbio e da Baixada, que tinham no cinema uma opção de lazer popular e barata", diz Tiago.

Depois de muita pesquisa, o professor do IFRJ e sua equipe conseguiram encontrar um set de filmagens que se adequasse, perfeitamente, à ideia do projeto: o Cine Center, em Nova Iguaçu. Preservando o estilo de cineteatro, que remonta à década de 1970, a sala mantinha elementos de época, tais como as cadeiras em madeira, os letreiros manuais e em cor vermelha, a telona e o antigo projetor. Foi nesse espaço que o documentário batizado de "Tempo de Projeção", ainda inédito, foi rodado. Com 79 minutos, o filme apresenta ricos depoimentos do ator e diretor, conhecido como "Rei da Pornochanchada", Carlo Mossy; e do ex-gerente do Cine Santa Rosa, de Duque de Caxias, Zé Grande.

No filme, Zé Grande relembra o convívio que teve com o ator e diretor Amácio Mazzaropi (1912-1981), que imortalizou a figura do jeca, e também discute as dificuldades que levaram ao desaparecimento das salas de rua: "O custo de exibição do filme de película de 35 milímetros é de R$ 4 mil. Já o filme digital custa de R$ 300 a R$ 400", diz.

O depoimento de Carlo Mossy reforça o debate. Para ele, é importante que os cinemas de rua voltem a funcionar. "Eles deveriam exibir 60% de filmes brasileiros e 40% de 'filmes alienígenas'. O grande público não vai ao cinema de shopping porque não tem condições monetárias. As pessoas gostariam de ir a pé e voltar a pé do cinema", diz Mossy, que, em outra passagem do filme, revela toda a emoção que tem com essa arte: "A projeção não era apenas de fotogramas. Era de emoções, paixões e momentos inesquecíveis".

Fundador e diretor do Cinema Ponto Cine – primeira sala popular de cinema totalmente digital do País –, Adailton Medeiros também ressalta, no documentário, a função social dos cinemas de rua. "Só 17,2% dos cariocas já pisaram em um cinema. Ele vive mais no nosso imaginário do que na nossa prática. Temos 2.500 salas no Brasil. É muito pouco para os mais de 190 milhões de brasileiros", questiona.

Professora e pesquisadora dos cinemas de rua, Talitha Ferraz também participa do documentário. Ela ressalta como as salas de cinema modificaram os espaços urbanos e o cotidiano da população, a partir da década de 1940. "Eu era moradora da Tijuca e vi os fechamentos dos cinemas de rua acontecerem. Claro que eu não peguei o fechamento do Cine Olinda, que foi o maior cinema da América Latina, mas o relato das pessoas que viram a demolição dá conta da grande comoção que ocorreu. Muitos foram para a porta do cinema para protestar, chorar e lamentar a sua demolição. Foi uma grande perda", afirma Talitha no documentário, referindo-se ao cinema que foi demolido para dar lugar a um centro comercial, o Shopping 45, localizado na Praça Saens Peña.

O filme de Tiago também compartilha histórias pessoais e análises da professora, pesquisadora e artista Paola Barreto; da jornalista Paula Dias; do jornalista e professor Rodrigo Cerqueira; do ex-funcionário do Cine Jóia, em Copacabana, Pedro Soares; do economista e estudante de Produção Cultural,  Carlos Abrunhosa, do estudante Rafael Velloso e dos atores Ana Moura e Gueko Hiller. Como parte da estética adotada pelo diretor, o público não consegue identificar os participantes, que não são identificados durante o documentário, mas apenas nos créditos finais.

Finalizado em 2014, o documentário ainda se encontra inédito, disponível apenas em um canal particular no Youtube. Segundo Tiago, problemas técnicos comprometeram a qualidade do som da produção, que deve passar ainda por ajustes. "Contamos com uma boa estrutura de imagem, mas não de áudio. Precisamos ainda contornar problemas na mixagem para, então, divulgar o projeto ao público", afirma o pesquisador.

Texto e imagens reproduzidos do site: faperj.br

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