quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Elinaldo Barros & Alfred Hitchcock


 Publicado originalmente no site CULTURA E VIAGEM, em 23 de julho de 2021 

Elinaldo Barros & Alfred Hitchcock 


Autorfabiolinslessa 


Neste dia 23 de julho de 2021, Alagoas perdeu um filho querido: o crítico de cinema Elinaldo Barros nos deixou, aos 74 anos. Coincidentemente, esta semana, depois de um longo período de ausência causado pela pandemia da COVID-19, voltei a frequentar uma sala de cinema. 


Mesmo com as facilidades da tecnologia, que muitas vezes fazem com que as pessoas tenham acesso a praticamente tudo com um clique do mouse do computador ou com o controle remoto da televisão, em todas as partes do planeta, muita gente ainda costuma ir ao cinema, praticamente quase todos os fins de semana, como quem vai religiosamente à igreja. Para estas pessoas, frequentar o cinema continua sendo “a maior diversão”. 


Na capital alagoana, entre as décadas de 1940 e 1980, falar em cinema é lembrar dos antigos Cines Rex (Pajuçara), Lux (Ponta Grossa), Ideal (Levada), Royal, Plaza (Poço), São Luiz (Centro), espaços que durante décadas, eram o grande ponto de encontro da juventude e ótima opção de lazer e cultura, mas que hoje se encontram fechados (em geral, ou foram demolidos ou deram lugar a pontos comerciais e igrejas). 


Na verdade, “em Maceió os teatros foram os espaços que abrigaram os primeiros projetores de imagens, que chegam a capital entre 1898 e 1900. Dado o sucesso do invento, os teatros passaram por algumas mudanças na programação, alguns modificaram sua nomenclatura de teatro para cine-teatro ou teatro-cinema, por exemplo, o teatro Floriano passou a ser o Teatro Cinema Floriano, assim como muitos outros. Paulatinamente, os aparelhos exibidores autonomizaram-se, o que significa que passaram a ocupar um espaço próprio nas opções de lazer e divertimento dos maceioenses”, destaca a pesquisadora Beatriz Souza Vilela. 


O Cine Lux era o maior cinema de bairro de Maceió, com 899 cadeiras e teve suas atividades finalizadas em 1986. Ele foi idealizado por Moacyr Miranda, que não só era um entusiasta do cinema na área empresarial, mas também atuou em 1933 como galã no primeiro filme alagoano Casamento é negócio? Na década de 1940 em Maceió, ele vendeu o Cine Teatro Delícia, e construiu o Cine Lux. 


Sobre o saudoso Cine Rex, o historiador José Bilu destaca que, de um lado do cinema, sentavam-se os casais; do outro, os solteiros. Funcionou até 1978. O central Cine São Luiz, que tinha até um mezanino, funcionou até 1996. Localizado no bairro do Poço, o Cine Plaza funcionou até 1992. Sobre os antigos cinemas de bairro de Maceió, entre 1950 e 1980, a capital alagoana chegou a ter vinte salas de cinema. 


A decadência dos cinemas de bairro foi compensada pela ascensão dos cinemas de grandes redes. Questões como segurança, estacionamento, comodidade, entre outras, são apontadas para justificar a preferência pelos cinemas de shopping center. 


Neste contexto, à medida que os cinemas de bairro foram se extinguindo, surgiram, no final da década de 1980, as duas salas de cinema do Iguatemi (hoje Maceió Shopping) e as salas do Art Pajuçara (hoje o Centro Cultural de mesmo nome). Nos anos 1990, vieram as salas do Shopping Farol (hoje Cine Lumière) e as salas do Shopping Cidade, também no bairro do Farol (já fechadas). Nos últimos anos, chegaram em Maceió as grandes redes multiplex (Kinoplex, Centerplex e CineSystem). Com isto, há aproximadamente vinte salas de cinema na capital alagoana, sem falar nas de Arapiraca, localizadas no shopping da cidade. 


Sobre os críticos de cinema em Alagoas, “o primeiro a escrever em jornais sobre cinema foi Regis do Amaral. Imanoel Caldas e Gildo Marçal Brandão iniciaram, nesse mesmo período, o programa No Mundo da Sétima Arte pela Rádio Progresso, que ia ao ar às 18 horas do domingo. Os filmes eram discutidos pelos dois, havia as informações sobre a programação dos cinemas e se ouvia as músicas temas dos filmes”, registra o jornalista Edberto Ticianeli. 


É de se registrar, entretanto, que falar do cinema alagoano também significa reverenciar a pessoa de Elinaldo Barros, professor, pesquisador, jornalista e crítico de cinema. Elinaldo vem se dedicando ao cinema alagoano desde a década de 60, tendo lecionado, escrito e comentado cinema para várias gerações de alagoanos. 


Elinaldo Barros Soares é um alagoano que vive cinema. Nascido em dezembro de 1946, na Rua Santa Fé, no bairro da Ponta Grossa em Maceió, quando completava 51 anos do surgimento do cinema. Teve em sua vizinhança o Cine Lux e o Cine Ideal. Brincava com pedaços de película e com gibis para montar suas exibições e contar histórias dos filmes. Ir ao cinema era uma programação em família, divertimento com os amigos, e ao gostar do filme ele não media esforços em assistir mais algumas vezes. Passava cotidianamente pela porta do Cine Lux, era só ver um cartaz com um artista conhecido ou com uma arte bonita que atendia ao chamado da sessão. Aos poucos, aumentou e aprimorou sua paixão, transformando-a em profissão e vida. Conseguiu ainda somá-la com outras paixões, escrever e ensinar”, registra a jornalista Larissa Lisboa, sobre o maior especialista de cinema de Alagoas.

 

 Formou-se em Letras pela faculdade de Educação em 1970, mas, desde 1965, já colaborava no Diário de Alagoas escrevendo comentários esportivos. Não custou para trocar o futebol pelo cinema. Em 1967, começou a lecionar inglês e português, e foi convidado para escrever sobre cinema para o Jornal de Alagoas. Aprendeu a escrever sobre cinema e transpassar sua vivência de cinéfilo. 


Elinaldo colaborou com os principais jornais alagoanos, com crônicas e resenhas sobre cinema, deu aulas da disciplina Cinema no Cesmac (1978-2009), participou como jurado e organizador do Festival de Cinema de Penedo, prestou serviços à EMATUR, Secretaria de Cultura do Estado, Teatro Deodoro, Museu da imagem e do Som e Secretaria de Educação do Estado, onde trabalhou com Ranilson França. Na televisão, faz comentários sobre filmes em cartaz nos cinemas da cidade desde 1990, seja na TV Gazeta ou na TV Pajuçara. Também foi decisivo para  consolidar a Sessão de Arte nas telas dos cinemas de Maceió. 


“A longeva atividade de crítico de cinema, toda ela exercida como colaborador nos jornais e nas televisões de Alagoas, o coloca na condição do mais influente intelectual nessa área. Formou várias gerações de professores, jornalistas e de espectadores”, destacou Geraldo de Majella. 


Crítico de cinema em Alagoas desde 1969, Elinaldo também escreveu vários livros sobre cinema, como Panorama do Cinema Alagoano, Cine Lux: Recordações de um Cinema de Bairro, Rogato: a Aventura do Sonho das Imagens em Alagoas, dentre outros. Em seu último livro Pelos caminhos do cinema e outras veredas, Elinaldo reúne várias crônicas que escreveu ao longo de sua carreira. Dentre elas, há duas que ora destacamos: Os pássaros, um filme de quem sabe demais (publicada em 30 de março de 1979); e Hitchcock, o cineasta que sabia demais (publicada em 24 de abril de 1985). 


Sobre o filme Os pássaros, clássico de Hitchcock de 1963, há um trecho da crônica em que Elinaldo escreve que “o que se passa a ocorrer então é o mistério que veio homeopaticamente, passa açambarcar todo o filme e o espectador distraído ou que entrou sabendo do título do filme, começa a sentir toda a pujança do gênio criador de Alfred Hitchcock, cujo nome o funcionário do Lux colocou no anúncio luminoso do cinema, como se ele fosse o ator principal do filme. Um feliz engano. Os méritos e as virtudes de Os pássaros são de Alfred Hitchcock. E em Os pássaros não há defeitos”. 


Por sua vez, na crônica Hitchcock, o cineasta que sabia demais, o crítico alagoano comenta sobre o filme Trama macabra, o último dirigido pelo diretor inglês. Elinaldo escreve: “Em seu último filme, Trama macabra (Family polt), 1975, estrelado por Bruce Dern e a loura Barbara Harris, o gordo simpático e elegantemente britânico Alfred Hitchcock aparecia em silhueta por trás de uma porta de vidro escamado e meio embaçado. Uma aparição discreta que talvez algum espectador desatento não percebesse.  Assim a sua tradicional marca registrada estava ali pela última vez. Parecia uma despedida não de um modo impensado e importuno do tipo “quero que me esqueçam”. O velho Hitch sabia muito bem o quanto era amado pelas plateias. Afinal ninguém no cinema conseguiu a proeza de reunião com refinado apuro e arrepio do medo, o crescente de suspense com elementos de fino humor. Em termos de cinema, o inglês Alfred Hitchcock, parafraseando, era verdadeiramente “um homem que sabia demais””. 


A respeito desta última frase, ela deu nome a um dos filmes mais famosos de Hitchcock. O homem que sabia demais foi filmado em 1956. Elinaldo então era uma criança de nove anos. “Vi este filme menino nos anos 50, no cinema Lux, quando este era o colosso da empresa Moacir Miranda.  Nunca mais tive a chance de revê-lo, mais ainda guardo, preciosamente, suas imagens em minha mente”. 


Neste filme, como de costume, Alfred Hitchcock faz uma breve aparição. Isto ocorre no minuto vinte e cinco, em uma cena filmada em meio a uma multidão, na famosa praça Jemma el Fna, em Marrakesh, no Marrocos. 


Como no cinema a imaginação pode ir bem longe, este local bem que poderia abrigar o encontro fictício de Alfred Hitchcock e Elinaldo Barros. Nesta praça com muito barulho, pessoas gritando, vendendo de tudo, homens com serpente, cobras e macacos para tirar foto e forçar os turistas a dar algum dinheiro, Elinaldo se aproximaria do mestre inglês, puxaria conversa, destacaria as semelhanças desta praça com as feiras alagoanas, e, para aplacar o calor, ofereceria um suco, que poderia ser apreciado em uma das dezenas de barracas existentes no local. 


O diretor inglês ficaria impressionado com o conhecimento do alagoano sobre cinema. Este o convidaria para filmar em Maceió. Quem sabe Hitchcock não se empolgaria com a proposta? Nesta conversa, talvez eles estariam até imaginando os cenários alagoanos para rodagem de filmes como O corpo que cai, Psicose e Ladrão de casaca. Neste último, por exemplo, ao invés de ser filmado em Nice, na Riviera Francesa, seria rodado em São Miguel dos Milagres, na Rota Ecológica. 


Na première do filme, ao invés de Los Angeles, Maceió receberia o tapete vermelho e as estrelas de Hollywood. O velho cinema São Luiz seria reaberto para este evento. Na chegada dos amigos à sessão de estreia, a multidão no centro da capital alagoana receberia com respeito o diretor inglês e aplaudiria com entusiasmo seu grande cinéfilo. Em retribuição, Elinaldo simplesmente diria: “E vamos ao cinema”. 


Texto e imagem reproduzidos do site: culturaeviagem.wordpress.com 

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